23.10.06

A idiotia latino-americana


Acredita que somos pobres porque eles são ricos e vice-versa, que a história é uma bem-sucedida conspiração dos maus contra os bons, onde aqueles sempre ganham e s sempre perdemos (em todos os casos, está entre as pobres vítimas e os bons perdedores), não se constrange em navegar no espaço cibernético, sentir-se on line e (sem perceber a contradição) abominar o consumismo. Quando fala de cultura, ergue a seguinte bandeira: “O que sei, aprendi na vida, não em livros; por isso, minha cultura não é livresca, mas vital.” É o idiota latino-americano.

Eis a descrição do idiota na apresentação, redigida pelo escritor peruano Mário Vargas Llosa, à obra Manual do perfeito idiota latino-americano, de Plínio Apuleyo Mendoza, Carlos Alberto Montaner e Álvaro Vargas Llosa. Intencionalmente polêmico, o livro traça, com humor ferino, o perfil do sujeito que freqüentou universidade e, depois, passou a militar nos sindicatos, nos partidos, nas ongs e outras associações que se dizem sociais. De quebra, destrói impiedosamente a galeria de mitos revolucionários e heróis populistas que infestaram a região.

A idiotia latino-americana, diz ainda o apresentador, é deliberada e de livre-escolha: “é adotada conscientemente por preguiça intelectual, apatia ética e oportunismo civil. É ideológica e política, mas acima de tudo frívola, pois revela uma abdicação da faculdade de pensar por conta própria, de cotejar as palavras com os fatos que pretendem descrever, de questionar a retórica que faz as vezes de pensamento.” Não parece uma descrição fiel da intelectualidade brasileira que se diz “esquerdista”?

O idiota latino tem sempre uma biblioteca política. Afinal, é bom leitor, ainda que só leia livros ruins. “Não lê da esquerda para a direita” – escarnecem os autores -, “como os ocidentais, nem da direita para esquerda, como os orientais. Dá um jeito para ler da esquerda para a esquerda. Pratica a endogamia e o incesto ideológico.”

Mas o que lê o nosso idiota? O livro cita algumas obras, considerando uma delas a bíblia da idiotia: As veias abertas da América Latina, do escritor uruguaio Eduardo Galeano, que tem devastado cabeças desde os anos 70. Ainda é levado a sério por muita gente e recomendado a alunos por professores idiotas. As outras obras são: A História me absolverá, de Fidel Castro; Os condenados da Terra, de Frantz Fanon; A guerra de guerrilhas, de Ernesto (Che) Guevara; o onipresente Os conceitos elementares do materialismo histórico, de Marta Harnecker; O homem unidimensional, de Herbert Marcuse (um ataque à “civilização industrial”); Para ler o Pato Donald, de Ariel Dorfman e Armand Mattelart (obrigatório nas escolinhas de comunicação nos anos 70); e Para uma teologia da libertação, de Gustavo Gutiérrez.

Dois brasileiros contribuem para a formação do idiota latino-americano: Fernando Henrique Cardoso que, com Enzo Faletto, escreveu Dependência e desenvolvimento na América Latina (que dividiu o mundo entre “centro” e “periferia”), e Frei Betto, apóstolo da teologia da libertação no Brasil e “conselheiro espiritual” do presidente Lula. FHC, como se sabe, tomou o rumo da civilização; já o frei continua escrevendo bobagens nos jornais (exemplos: "Cuba é o único país onde a palavra dignidade tem sentido"; "Em nossos países se nasce para morrer. Em Cuba, não!").

Manual do perfeito idiota latino-americano foi lançado em 1996 e traduzido pela Bertrand Brasil, do Rio de Janeiro (está na 5a. edição, de 2005). Vale a pena a ler. Quem já foi idiota em outros tempos – como este escrevinhador – dará boas gargalhadas lembrando da juventude; outros, percebendo-se ainda na idiotia, poderão pelo menos começar a criticar-se a si próprios. Mas, não nos enganemos, há os irredutíveis, aqueles que jamais abandonarão a condição (veja aqui, por exemplo).

3 comentários:

Anônimo disse...

Parece-me bastante interessante este livro. Mas sempre olho com certa cautela aqueles que aderem a uma verdade própria como sendo universal. Sejam eles os "idiotas" ou os "não idiotas" (de acordo com o livro).

Eu preferiria chamar aqueles que fazem de um discurso sociológico, como o Marxismo, uma ideologia e também os que negam este discurso sem conhecê-lo a fundo de idiotas.

Na verdade pouca gente entende Marx, muitos aderem a uma ideologia superficial, quase dogmática(!).

Vejo várias pessoas rechaçando as obras do século 19 e anteriores como sendo antiquadas e desnecessárias. Mas a sociedade, por mais que se altere em seu modo de vida, não altera a sua vida em si, a sua realidade e compreensão de si mesma, em tão pouco tempo. Se ainda há os que aderem a forma de compreensão da realidade histórica proposta por Marx, é por que ainda existem resquícios sociais que permitem que tal coisa aconteça.

É importante observar que a obra de Marx foi escrita em outro continente com uma história bem diferente do nosso e em um tempo que não é o nosso, a vida era outra. É impossível trazê-lo na íntegra para a vida dos nossos dias sem parecer tolo. Nesse ponto eu concordo com os autores.

No fundo, a obra de Marx é uma compreensão da realidade histórica da época (que, em alguns aspectos, se mantém inalterada) e não uma ideologia, como pregam muitos por aí.

E acho que as grandes obras devem ser sempre avaliadas com cautela. Afinal, continuamos, ainda hoje, a ruminar heranças gregas de mais de 2000 anos.

P.S.: Não sou Marxista, pois sua compreensão da realidade não se adapta ao mundo de hoje. Acredito que a sociedade poderá ser mais justa um dia, sim (ou isso, ou ela se destrói). Mas não sei dizer quem trará isso... pode ser que uma nova forma de interpretar e agir no mundo apareça. E mostre que todos os que adotam as ideologias de hoje são idiotas.

P.S.2: Acho muito engraçado quando um "socialista" chama alguém de 'capitalista', como se fosse algo ruim. Afinal, os dois o são.

Orlando Tambosi disse...

Mauro,

o livro não trata propriamente de Marx, mas do marxismo por essas bandas, que, tens razão, além de pouco e mal lido, é mal interpretado. Na verdade, é um deboche do populismo que sempre infernizou a América Latina. Por aqui sempre tivemos estatistas à "esquerda e à "direita", mas nunca, efetivamente, o liberalismo.
Obrigado pelo comentário.

Vitor disse...

Mauro, as "obras" de max serviam pra época dele do mesmo jeito que serve pra hoje, ou seja pra nada, tanto que já foi rapidamente refutada pelos economistas de viena