19.3.06

É o conhecimento perigoso?


Artigo publicado inicialmente na revista eletrônica Crítica, de Lisboa, sob o título "É o conhecimento perigoso? Fronteiras entre ciência, tecnologia e ética."

1. As feridas da modernidade e a anticiência

O traço mais profundo e mais perturbador de nossa época é a dissociação de fato e valor, ser e dever ser, ou física e ética, conhecimento da realidade e atribuição de sentido à vida. As ciências descrevem e conhecem o mundo tal qual é, mas calam sobre as angústias humanas, tornando o homem praticamente um acidente no cosmo. Despertando de seu sonho milenar, como diz o biólogo Monod, o ser humano agora "sabe que, como um cigano, está à margem do Universo onde deve viver. Um Universo surdo à sua música, indiferente às suas esperanças, como a seus sofrimentos ou a seus crimes". Ele sabe que "está sozinho na imensidão indiferente do Universo, de onde emergiu por acaso. Não mais do que seu destino, seu dever não está escrito em lugar algum" (Monod: 1989, p. 190-8).

Através da ciência, a modernidade rompeu a "aliança animística" entre homem e Natureza, calcada exatamente na identificação de fato e valor — fundamento da visão antropocêntrica do mundo. A cosmologia medieval (aristotélico-cristã) realizava a coincidência plena disso que, para nós, é dividido: conhecimento da realidade e compreensão do "sentido" da nossa vida — sua destinação ou valor — eram uma só coisa. Por mais de dois mil anos, a metafísica (o nome remete, como se sabe, ao conhecimento do transcendente ou do supra-sensível) sustentou a separação entre mundo terrestre e mundo celeste: embaixo, o reino do efêmero, do nascer e do perecer; no alto, com suas esferas perfeitas, o reino do divino, do incorruptível, do eterno, do verdadeiro Ser. Os níveis de realidade exprimem ao mesmo tempo uma hierarquia de valores. A Terra, no centro, é o palco em que se desenrola o drama humano, em vista do qual o próprio cosmo foi criado.

A modernidade rompe essa imagem. A revolução astronômica explode esse cosmo finito e fechado, revelando um universo de proporções ilimitadas. A Terra já não é mais o centro de nada. "É um ponto infinitesimal, uma minúscula ilha perdida num oceano sem praias, onde se contam bilhões de galáxias, cada uma delas com centenas de bilhões de sóis. Explicar essa realidade em função do homem, ou dela extrair um significado para a nossa existência, é simplesmente impossível" (Colletti: 1989, p. III-IV, e 1996, p.15).

Depois que Copérnico arrancou o homem do centro do universo, Darwin obrigou-o a reconhecer que não passa de um ser entre outros no reino animal (competindo com as outras espécies e, freqüentemente, perdendo a luta para as mais microscópicas). São duas feridas insanáveis que corroem o narcisismo humano, como definiu Freud, e que produzem mal-estar ainda hoje. Daí a hostilidade em relação às ciências e às tecnologias, comum a algumas vertentes filosóficas e tendências culturais contemporâneas, particularmente as que se autodenominam "pós-modernas". A anticiência, por sinal, encontra confortável abrigo nas ciências sociais e humanidades, minadas pelo relativismo cognitivo e cultural; e, junto com as pseudociências, conta com generoso espaço na mídia.

Muito do que se produz nessas áreas é hostil a conceitos como "realidade", "objetividade", "verdade", fundamentais tanto à ciência quanto ao jornalismo científico. Para a cultura "pós-moderna", o "real", os "fatos" que as ciências buscam conhecer — e o jornalismo reportar — não passam de "construções intelectuais". Mero discurso ou "narrativa", a ciência é ideológica, isto é, instrumento de dominação de uma civilização "branca", "eurocêntrica", "opressora", "machista", "heterossexual" etc. (ver, a respeito, Gross e Levitt: 1998 — livro que inspirou Alan Sokal e Jean Bricmont a escreverem seu Imposturas intelectuais, Rio de Janeiro, Record, 1999, outra consistente denúncia do relativismo e da falta de rigor nas humanidades).

Sob essa bandeira campeiam os multiculturalismos, o social-construtivismo, o ecofeminismo, os estudos culturais, as leituras de "gênero", o ressentimento contra as ciências. Privilegiam-se o intuitivo, o mágico, o místico, o irracional, o marginal, abrindo-se as portas da academia para a New Age, as bruxas, o tarô, o ocultismo, a astrologia — temas freqüentes junto a certos comunicólogos, notadamente os de formação antropológica.

Diante disso, não espanta a condenação, dentro das próprias universidades, não só da ciência e da tecnologia, mas também da racionalidade e da secularização, "desencantadoras do mundo": não por acaso, fenômenos produzidos pela modernidade. Não é o "pós-modernismo" justamente esse conjunto de atitudes estilísticas e julgamentos contrários ao que se supõe ser ou ter sido a modernidade (em especial, ao que ela herdou do Iluminismo)? Não espanta, igualmente, que universidades de prestígio tragam ao Brasil, às custas do dinheiro público, sociólogos delirantes como Jean Baudrillard, que, a cada três meses, vem nos advertir que a realidade não existe.

Afinal, não nos garante essa filosofia de salão chamada relativismo cultural que a ciência não tem mais direito em afirmar a verdade do que o mito tribal?; ou que a ciência é apenas a mitologia adotada por nossa tribo ocidental moderna? Vale lembrar, a propósito, um curioso relato do biólogo Richard Dawkins, hoje professor da cátedra de Compreensão Pública da Ciência em Oxford, cuja obra deve, necessariamente, figurar numa bibliografia de jornalismo científico. Conta ele que, certa vez, respondendo a uma provocação de um colega antropólogo, colocou-lhe a seguinte questão: "Suponha que existe uma tribo que acredita que a Lua é uma cabaça velha lançada aos céus, pendurada fora de alcance um pouco acima do topo das árvores. Você afirma realmente que nossa verdade científica — que afirma que a Lua está a 382 mil quilômetros afastada e tem um quarto do diâmetro da Terra — não é mais verdadeira do que a cabaça da tribo?" A resposta do antropólogo foi direta: "Sim. Nós apenas fomos criados em uma cultura que vê o mundo de um modo científico. Eles foram criados para ver o mundo de outro modo. Nenhum desses modos é mais verdadeiro do que o outro". Conclui Dawkins: "aponte-me um relativista cultural a 10 quilômetros de distância e lhe mostrarei um hipócrita. Aviões construídos de acordo com princípios científicos funcionam. Eles mantêm-se no ar e o levam ao seu destino escolhido. Aviões construídos de acordo com especificações tribais ou mitológicas, tais como os aviões de imitação dos cultos de carregamento nas clareiras das selvas (...), não funcionam. Se você estiver voando para um congresso internacional de antropólogos ou de críticos literários, a razão pela qual você provavelmente chegará lá (...) é que uma multidão de engenheiros ocidentais cientificamente treinados realizou os cálculos corretamente. A ciência ocidental, com base na evidência confiável de que a Lua orbita em torno da Terra a uma distância de 382 mil quilômetros, conseguiu colocar pessoas em sua superfície. A ciência tribal, acreditando que a Lua estava um pouco acima do topo das árvores, nunca chegará a tocá-la, exceto em sonhos" (Dawkins: 1996, p. 39-40).

Se a anticiência, atualmente, procede do circuito Paris-Nova York, de lá se espraiando para outros países, no século XX foi da Alemanha que partiram os ataques mais fortes e duradouros. Os precedentes são longínquos: nem o grande filósofo idealista G. W. F. Hegel (1770-1831) pouparia críticas tanto às ciências quanto aos cientistas e filósofos mais próximos de uma perspectiva científica. Nunca escondeu, por exemplo, sua má-vontade em relação a Newton (1642-1727), o pai da física moderna, e a F. Bacon (1561-1626), fundador do método indutivo moderno e precursor da sistematização dos procedimentos científicos.

2. De Marcuse ao Unabomber

A partir dos anos 40 do século passado, a chamada Escola de Frankfurt é que se encarregaria de fomentar, por trás de sua crítica ao capitalismo, uma das mais persistentes e influentes críticas à racionalidade científica, com profundas repercussões nos movimentos estudantis da Europa da década de 60. "A física é burguesa", "a ciência é o capital": estas inscrições, nos muros da Paris de 68, resumiam, na verdade, os temas de Adorno, Horkheimer e, principalmente, Herbert Marcuse (1898-1979), o guru dos revoltosos (um dos três grandes "M" da época, junto com Marx e Mao).

Para Marcuse, ciência e capitalismo são uma só coisa. Em outras palavras, ciência (conhecimento racional e objetivo) e ideologia (concepção de mundo) se confundem. Desaparece o valor objetivo do conhecimento científico. A crítica da "razão instrumental" — ou "razão unidimensional", ou "razão técnica" — encerra, no fundo, uma crítica da própria Civilização. Daí o ataque à "sociedade industrial" ou "tecnológica", justamente a sociedade moderna, baseada na ciência e na tecnologia.

Apenas os filósofos italianos (especialmente Galvano Della Volpe e Lucio Colletti) perceberam esta trágica confusão, denunciando in loco a "Grande Recusa" marcusiana como a retomada de temas irracionalistas e românticos. A "contracultura" gerada neste ambiente cultural, no entanto, fixaria raízes e amoldaria mentes; boa parte da geração que, nas humanidades, cresceu ouvindo essas melancólicas diatribes contra a racionalidade científica, a técnica, a "indústria cultural", etc., hoje as reproduz nas universidades e nas revistas acadêmicas, quando não nos jornais. Principalmente no Brasil, onde ainda há saudosos das "barricadas do desejo" de 68 e o prestígio dos "frankfurtianos" continua incólume entre muitos intelectuais.

Por brevidade, considerarei aqui apenas as idiossincrasias anticientíficas de Marcuse. Não é necessário rastrear muito para se deparar, em sua obra, com inspirações irracionalistas-românticas. Aliás, elas percorrem toda a sua teoria: já num escrito de 1933 (Sobre os fundamentos filosóficos do conceito de trabalho na ciência econômica), sua polêmica era contra a objetividade, com a "submissão" do homem às coisas. Independentemente das épocas históricas, o trabalho sempre foi, para ele, "trabalho alienado" (o marxismo marcusiano confundia o que para Marx era distinto: "objetivação" e "alienação").

Para Marcuse, eliminar a "alienação" é eliminar a própria objetividade. Essa "superação", portanto, não pode ser buscada no trabalho, mas... no jogo. É somente no jogo que o homem "não se conforma aos objetos, à sua regularidade". Somente ao colocar-se "acima da objetividade" é que o homem alcança a si próprio, "numa dimensão de sua liberdade que é negada no trabalho". Para o filósofo alemão, "um simples lance de bola, por parte de um jogador, representa um triunfo da liberdade humana sobre a objetividade que é infinitamente maior que a mais estrondosa conquista do trabalho técnico" (cit. em Tambosi: 1999, p. 150 — são do livro também as citações seguintes).

E pense-se no Marcuse de Razão e revolução (1941), em que afirma que "a razão é a verdadeira forma da realidade", onde "todos os antagonismos do sujeito e do objeto são integrados". Hegel, afinal, já dissera que o real é o racional. Mas é no seu livro mais célebre — O homem unidimensional (1964)que Marcuse transformará sua rejeição à objetividade num ataque à racionalidade científica. O "domínio", agora, estava inscrito na própria tecnologia. A "alienação" surge da produção industrial. A ciência, mais uma vez, é ideologia.

A última esperança, para ele, eram o Lumpenproletariat das metrópoles e as massas pobres do chamado "Terceiro Mundo", cuja oposição "é revolucionária, ainda que sua consciência não o seja". Tudo isto antecipava temas que dominariam os discursos nos anos seguintes. A "Grande Recusa" influenciaria não só a "Nova Esquerda" européia, mas também o costume e a mentalidade comuns. Ciência e capital eram uma só coisa: os males que o marxismo havia denunciado no capitalismo eram descarregados por Marcuse (e, diga-se, também por Adorno e Horkheimer) "nos ombros de Galilei e Bacon". O desastre havia começado já com a revolução científica do século XVII.

É a isto que os pensadores italianos chamam de "reação idealista" contra as ciências e a técnica. Que chega, no caso de Marcuse, à negação total do existente: além de atacar o capitalismo, ele condenava também o socialismo por "submeter-se ao aparato tecnológico". O filósofo sonhava com uma "nova ciência" e uma "nova técnica" — sobre as quais não forneceu jamais a mínima indicação. O problema da teoria marxista clássica, segundo ele, estava em conceber "a transição do capitalismo para o socialismo como uma revolução política", isto é, em destruir o "aparato político", mas não o "aparato tecnológico"!

No capitalismo avançado — prossegue Marcuse — "a racionalidade técnica está personificada, a despeito de seu uso irracional, no aparato produtor. Isto não se aplica apenas às fábricas mecanizadas, ferramentas e exploração de recursos, mas também à maneira de trabalhar como adaptação ao processo mecânico do mesmo, conforme programado pela ‘gerência científica’. Nem a nacionalização nem a socialização alteram por si essa personalização física da racionalidade tecnológica; pelo contrário, esta permanece uma condição prévia para o desenvolvimento socialista das forças produtivas" (Marcuse: 1989, p. 41).

Estamos no coração da "Grande Recusa", uma herança ideológica que, junto às filosofias "pós-modernas", ainda inspira manifestações contra a ciência e a tecnologia. O alvo, agora, é o vertiginoso processo de informatização. Lado a lado com a chamada III revolução industrial, crescem também a tecnofobia e a rejeição das tecnologias. O mal-estar assume novas — e até violentas — formas. Basta lembrar o caso do Unabomber, nos EUA, que enviava cartas-bombas para cientistas e universidades. Também nesse país, um intelectual que escreveu livros como Rebeldes contra o futuro e A revolução verde ilustra suas conferências quebrando computadores a golpes de martelo.

Recorde-se que o manifesto do terrorista Unabomber, publicado em setembro de 1995 pelo Washington Post, elege como inimiga a "sociedade industrial" (curiosamente, um conceito marcusiano), que ele considera "um desastre para a espécie humana" e contra a qual propõe uma "revolução": "a única saída" — pontifica — "é dispensar o sistema tecnológico inteiro". Seu temor são as "máquinas inteligentes", que acabarão por decidir no lugar da humanidade. "Quando chegar a esse estágio, as máquinas estarão, efetivamente, no controle. As pessoas não poderão simplesmente desligar as máquinas porque elas estarão tão dependentes delas que desligá-las equivaleria a cometer suicídio". A estratégia? "Promover o estresse social e a instabilidade na sociedade industrial, e desenvolver e difundir uma ideologia que se oponha à tecnologia e ao sistema industrial". O terrorista quer simplesmente "a eliminação da tecnologia moderna" (Folha de S. Paulo, 20/09/95).

Kirkpatrick Sale, o destruidor de computadores e autoproclamado líder do "neoludismo" (herdeiro do movimento de desempregados ingleses que, entre 1811 e 1813, quebravam máquinas em protesto contra a revolução industrial), compartilha esse mal-estar em relação à sociedade moderna. Para ele, "a civilização é catastrófica porque destrói a si mesma e o ambiente natural", e "o uso da ciência e das suas tecnologias é um atentado à Natureza, uma tentativa de criar uma natureza tecnológica, de modo que a humanidade possa controlar todas as coisas" (L’Espresso, 11/08/95). Do Unabomber, Sale só discorda quanto aos "métodos", porque "a intenção é boa".

No "paraíso" vislumbrado por Sale desaparecem os produtos tecnológicos: do computador ao forno de microondas, da videocâmera ao telefone digital. O automóvel é demoníaco. Voltemos às bicicletas, recomenda ele. Não é à-toa que nos EUA já exista, entre as associações antitecnológicas, até um "Clube do Lápis", que defende a escrita à mão. A utopia do último dos luditas, como quase todas as utopias anticientíficas contemporâneas, é uma volta ao passado.

3. É perigoso conhecer?

A julgar pelas vertentes e tendências aqui apontadas, a resposta é positiva. Na verdade, a idéia de que o conhecimento é perigoso está arraigada na nossa cultura. Já Adão e Eva, segundo a Bíblia, foram proibidos de alimentar-se dos frutos da Árvore do Conhecimento. Prometeu foi punido por ter dado o saber ao mundo. Na literatura, o Dr. Frankenstein é a imagem do cientista, pintado como um arrogante desalmado que de tudo é capaz para atingir seus objetivos, quaisquer que sejam as conseqüências. No cinema, é o gênio louco que produz monstros e catástrofes.

Imoral manipulador da Natureza, o cientista também foi responsabilizado pela construção da bomba atômica e, agora, é visto com suspeita em virtude da engenharia genética. Jornais e revistas publicam com freqüência textos alarmistas que advertem sobre os "perigos" da pesquisa genética (lembre-se a histeria sobre a clonagem), do projeto do genoma humano e dos transgênicos ("comida Frankenstein"). Nos títulos, invariavelmente, a insinuação de que o cientista "brinca de ser Deus". O horror, porém, convive com o fascínio, já que se espera da ciência a solução para a cura do câncer e da Aids, entre outras doenças.

A análise desse problema nos remete, de novo, à separação moderna de fatos e valores, ou seja, de ciência e ética. Como processo de conhecimento racional e objetivo, a ciência não é guiada por valores. Ela apenas nos mostra como o mundo é. A ciência descreve, a ética prescreve; a ciência explica, a ética avalia. Ciência, portanto, não produz ética. Das proposições descritivas não é possível deduzir asserções prescritivas, como bem viu o filósofo Hume (1711-1776). A separação de fatos e valores — conhecida justamente como Lei de Hume — impede que do "é "derive o "deve", que do "ser" derive o "dever ser".

Em oposição a essas tendências filosóficas e culturais, e considerando o patrimônio humano já alcançado, podemos afirmar que o conhecimento científico não é perigoso. O conhecimento é um bem em si mesmo. Para o ser humano, conhecer é tão vital quanto alimentar-se, defender-se ou amar. Já a tecnologia, contrariamente, pode ser tanto uma dádiva quanto uma maldição. Há processos tecnológicos intrinsecamente perversos, como a fabricação de instrumentos de tortura, armas bacteriológicas, etc. Como resume Bunge, "não se trata do mau uso imprevisto de um setor de conhecimento, como seria o mau uso de uma tesoura ou de um fósforo. A tecnologia da maldade é maldosa" (Bunge: 1980, p. 202).

Quando a pesquisa científica é posta em prática — por exemplo, em experimentos que envolvam seres humanos ou outros animais —, ou quando a ciência é aplicada à tecnologia, problemas éticos relevantes podem e devem ser levantados. Mas aqui é importante distinguir ciência de tecnologia, pois suas motivações são diferentes. Em poucas palavras, ciência (básica) produz idéias, teorias; tecnologia produz objetos, bens. Uma visa simplesmente conhecer; outra é voltada para fins práticos.

Convém observar que a tecnologia é muito mais antiga que a ciência e possui uma história própria. Todos os povos produziram tecnologias, mas só o povo grego criou a ciência de que somos herdeiros. Num belo livro, o historiador da tecnologia George Basalla demonstra que, até o século XIX, a ciência exerceu pouco impacto sobre a tecnologia. Sem auxílio da ciência, a tecnologia gerou a agricultura, os artefatos de metais, as conquistas da engenharia chinesa e até mesmo as catedrais do Renascimento. Essas imponentes construções foram erguidas por engenheiros que se baseavam na experiência prática, aprendendo diariamente com os erros, e não em teorias científicas. Prevalecia então, como sugere outro autor, "o teorema dos cinco minutos" — se uma estrutura permanecesse de pé por cinco minutos depois de tirados os suportes, presumia-se que se manteria de pé para sempre (cf. Basalla: 1999; e Wolpert: 1996).

A esta altura, impõe-se indagar quais são, afinal, as responsabilidades e obrigações morais dos cientistas. Não há dúvida de que eles possuem deveres distintos das obrigações dos demais cidadãos. Posto que os cientistas detêm conhecimento especializado sobre como é e como funciona o mundo, e isto nem sempre é acessível aos outros, é obrigação deles tornar públicas as implicações sociais de seu trabalho e suas aplicações tecnológicas" (cf. artigo de Wolpert na revista Nature, 398 (1999), p. 281-82; e Wolpert: 1996, p. 185 e segs.).

Se ciência e ética, como vimos, são distintas, nem por isso o cientista está isento de deveres éticos. O biólogo inglês Lewis Wolpert aponta, a propósito, um exemplo de comportamento imoral por parte dos cientistas no movimento da eugenia, iniciado na Inglaterra no final do século XIX, estendendo-se depois aos EUA. O movimento, cuja pretensão era "melhorar as raças", envolveu inicialmente nomes ilustres como Galton (criador do próprio conceito), Fisher, Haldane, Huxley, Morgan, Davenport, Havelock Ellis e até o literato Bernard Shaw. Não demorou que se passasse a considerar hereditário não só o talento, mas a pobreza; que se considerasse os negros "biologicamente inferiores" e que algumas "raças" possuíam "tendência à debilidade mental".

A Sociedade Eugênica Americana chegou a promover concursos para "famílias geneticamente sãs", qualificando, em seu "catecismo eugênico", o "plasma germinal humano" como "a coisa mais preciosa do mundo". Para impedir a "contaminação" dos plasmas, a receita era a esterilização em massa. Estima-se que, entre 1907 e 1928, nove mil pessoas foram submetidas a tal tratamento, sob a genérica etiqueta de "debilidade mental". E pense-se no horror nazista: a lei sobre esterilização eugênica, que Hitler decretou em 1933, foi o primeiro passo para as atrocidades cometidas pelos médicos nos campos de concentração (ver Wolpert: 1996, p. 194-98). Em relação à eugenia, portanto, está claro que os cientistas não assumiram suas obrigações éticas.

Diverso foi o comportamento dos pesquisadores envolvidos na construção da bomba atômica, um empreendimento tecnológico baseado em conhecimento científico. Aqui podemos perceber claramente como a confusão entre ciência e tecnologia conduziu a uma visão errônea sobre o papel da ciência. As aplicações desta não são, necessariamente, responsabilidade dos cientistas: as decisões cabem, muito mais, a governantes e políticos. No caso da bomba atômica, a responsabilidade foi assumida exclusivamente pelo presidente Roosevelt, como demonstra o jornalista norte-americano Richard Rhodes num livro admirável, ao qual remeto: The making of the atomic bomb: 1988). Em outras palavras, a decisão foi política, não científica.

Quem primeiro teve a idéia de uma possível reação em cadeia de nêutrons foi o físico húngaro Leo Szilard, então residente na Inglaterra. Através de Einstein, ele comunicou essa possibilidade a Roosevelt, que autorizou a montagem de um gigantesco projeto (secreto), envolvendo cientistas e engenheiros. Antes mesmo do primeiro teste nuclear (15 de julho de 1945), porém, Szilard demonstrou-se preocupado com uma operação sobre a qual, em realidade, os cientistas tinham pouco ou nenhum controle. Chegou a pensar, inclusive, num controle internacional que evitasse o monopólio norte-americano da bomba. Com a II Guerra chegando ao final, pensava ele, não havia razões para a utilização dessa arma. Szilard fez então circular uma petição, firmada por 66 cientistas que trabalhavam no projeto, a ser enviada ao presidente Truman, sucessor de Roosevelt (morto em maio de 45).

Argumentam os subscritores que "uma nação que estabelece o precedente de usar as forças da natureza recentemente desencadeadas com fins destrutivos, poderá ter que assumir também a responsabilidade de ter aberto as portas a uma era de devastação em dimensões inimagináveis." Por isso, pediam eles que o presidente usasse suas prerrogativas para impedir que os Estados Unidos recorressem ao emprego de bombas atômicas, salvo no caso de o Japão rejeitar as condições de rendição que lhe fossem impostas, e depois que tais condições fossem de amplo domínio público (Rhodes: 1988, p. 749 e segs.).

O fato é que a carta jamais chegou às mãos do presidente. No dia 6 de agosto de 1945, como se sabe, a bomba destruiu Hiroshima. Quanto a Szilard, dedicou-se depois da guerra a divulgar ao público as implicações do conhecimento científico. Jamais se cansou de ressaltar a necessidade de o público ser informado tanto sobre a ciência quanto sobre suas aplicações. Cumpriu à risca, portanto, o dever ético de todo cientista.

Orlando Tambosi

Textos citados

Basalla, George. The history of technology. Cambridge, Cambridge University Press, 8ª ed., 1999.
Bunge, Mario. Epistemologia. São Paulo, T. A. Queiroz, 2ª, 1987.
______. La ciencia. Su método e su filosofía. Buenos Aires, Sudamericana, 3ª, 1998.
Colletti, Lucio. Pagine di filosofia e politica. Milão, Rizzoli, 1989.
_____. Fine della filosofia e altri saggi. Roma, Ideazione, 1996.
Dawkins, Richard. O rio que saía do Éden. Rio de Janeiro, Rocco, 1996.
Gross, Paul, e Levitt, Norman. Higher superstition. The academic left and its quarrels with science. Baltimore, John Hopkins University Press, 2ª ed., 1998.
Marcuse, Herbert. O homem unidimensional. A ideologia da sociedade industrial. Rio de Janeiro, Zahar, 5ª ed., 1979.
_____. Razão e revolução. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 2ª ed., 1978.
Monod, Jacques. O acaso e a necessidade. Ensaio sobre a filosofia natural da biologia moderna. Petrópolis, Vozes, 4ª ed., 1989.
Rhodes, Richard. The making of atomic bomb. Nova York, Simon & Schuster, 1988.
Tambosi, Orlando. O declínio do marxismo e a herança hegeliana. Florianópolis, Editora da UFSC, 1999.
Wolpert, Lewis. La natura innaturale della scienza. Bari, Edizioni Dedalo, 1996.

(Ilustração: Francis Picabia, Olga´s Gallery).

15.3.06

A falência do marxismo


O texto a seguir, publicado na edição de 22 de novembro/05 do Correio Popular, de Campinas, é de Roberto Romano, professor de Ética e Filosofia Política na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Ele analisa meu livro O declínio do marxismo e a herança hegeliana (Florianópolis, UFSC, 1999), traduzido na Itália em 2001, pela Mondadori, sob o título Perché il marxismo ha fallito. Lucio Colletti e la storia di una grande illusione. Romano é autor de vários livros (Moral e ciência. A monstruosidade no século XVIII, São Paulo, Senac, 2003, entre outros), conferencista e colaborador de jornais e revistas, além de participar com freqüência em programas de debates na Globo News. Transcrevo o artigo integralmente, com meus agradecimentos ao mestre.

"Não gosto de analisar livros recentes. Prefiro esperar e ver como reagem no rarefeito ar acadêmico. Tenho comigo um belo texto de 1991. Eu o acompanhei desde bem antes. Seu autor estudou na pós-graduação da Unicamp. Aluno raro porque unia a gentileza ao cuidado acadêmico com a regras, as fontes de trabalho, etc. Estive como examinador na sua qualificação quando a pesquisa amadureceu e se transformou em doutoramento. Naqueles dias o trauma do enterro inglório da URSS era recente. Muitas pessoas que hoje se proclamam livres do marxismo e da esquerda recitavam o rosário da famosa Diamat (Dialética Materialista). Com muita coragem o jovem autor apresentou uma rigorosa análise do ideário marxista, tendo em conta o teórico Lucio Colletti. O nome do jovem, originário de Santa Catarina, é Orlando Tambosi.

O livro traça, antes de tudo, um panorama das doutrinas marxistas na Itália, em suas raizes mais fortes, como é o caso de Croce. Depois, discute os escritos fragmentários de Gramsci que permitia, ao usar noções vagas sobre a sociedade civil e o papel dos intelectuais orgânicos, atenuar a grosseria do marxismo oficial, cujos jogos entre “infra” e “super” estrutura permitiam parolar sobre tudo e de nada dar conta no mundo efetivo. Perto de Roger Garaudy (aquele mesmo que afirmava, piorando o materialismo do século 18, que o cérebro secreta o pensamento como o fígado a bilis) e de Jean Kanapa (aquele outro que delatou em Sartre tendências filo-imperialistas norte-americanas, porque o autor da Crítica da Razão Dialética ousara recusar o estupro da Tchecoeslováquia) Gramsci era um portento especulativo. Mas o colosso tinha pés de barro.

As suas fraquezas foram apontadas por Lucio Colletti. Como sempre, em se tratando de seitas, o crítico não foi ouvido. Ocorre na Itália e na Europa o debate sobre socialismo e democracia. Gramsci coqueteou com Hegel, via Croce, o que fazia do seu ideário uma receita de adesão ao “necessário encadeamento histórico”. O futuro estava garantido (como denunciou Regis Debray) o que fez do marxismo uma receita de aceitação do presente, desde que dirigido pelos gloriosos líderes do proletariado. Parêntesis: hegelianismo e aceitação do fato coincidem, o que leva aos realismos indigentes dos militantes, sempre dispostos a quebrar os ovos alheios quando se tratava de fritar o omelete da “boa história”. Não por acaso Nietzsche caçoa dessa crença : “olhem os joelhos dos hegelianos, gastos de tanto serem dobrados diante da necessidade histórica!”.

A crítica de Galvano Della Volpe, virulentamente anti-hegeliano, suscita o debate sobre os elos entre Hegel e Marx, com direito à uma visita ao museu do materialismo romântico tardio, cujo icone era Feuerbach. O exame da contradição dialética atingiu, era inevitável, a cabeça dos teóricos italianos e europeus. Sofísticos ao máximo, escapando simuladamente das denúncias kantianas sobre os paralogismos da razão, Hegel e discipulos “dialetizam” tudo, tudo engolem com sua lógica absoluta, tudo explicam. Mas tudo fica inexplicado porque a dialética foge da epistemologia. Ela opera sem limites ou regras. É delírio racional tão idiotizante quando os devaneios do metafísico.

É disso que se trata: o “herdeiro” da bela dialética não passa de metafísica selvagem, pão para toda boca pois explica a natureza e a cultura, com ajuda de meros truques como a passagem da quantidade para a qualidade e quejandos. Como a feitiçaria não escapa do mundo, em especial do político, a tal escolástica não explicou nem moveu o Estado italiano, um dos mais complexos da história moderna (quem leu Maquiavel, sabe).

Orlando Tambosi segue Lucio Colletti na desmistificação à raiva da ciência (“burguesa”…) presente no PC. As determinações kantianas ajudaram a denunciar a enfermidade pan-lógica e metafísica. E nas suas últimas páginas, ele extrai as lições de Kant, ainda na linha de Colletti. Mas o mesmo Colletti extrai de Max Weber um ensino até hoje ignorado pelos militantes e acadêmicos da chamada esquerda : “a tensão entre a esfera da ciência e a dos valores da salvação religiosa é incurável”. Os marxistas falavam em “ciência” quando faziam fervorinhos religiosos, dobravam a espinha para a raison d´État soviética. Diziam “natureza” e “realidade”, quando suas categorias eram metafísicas. No campo hegeliano original tais noções eram coerentes, visto o “idealismo objetivo” de Hegel fundamentar-se no Espirito que tem sua Epifania no Estado. Nos escritos marxistas, eram apenas e tão somente lambões especulativos, a folha de uva que escondia a nudez do infalível Partido. Dessa experiência emburrecedora, quem pensa não tem saudade. Nome do livro? O declínio do marxismo e a herança hegeliana (Editora da Universidade Federal de Santa Catarina,1999). Título muito respeitoso com um defunto que não merece velas de libra. Em italiano, o nome é claro e distinto: Perché il marxismo ha fallito
(Milano, Mondadori, 2001). Leitura obrigatória para quem deseja pensar o passado de uma ilusão.
Roberto Romano

10.3.06

A cruzada contra Darwin


Este artigo foi publicado originalmente no Observatório da Imprensa e na revista eletrônica Crítica, de Lisboa. Desde então, circula em vários sites. Uma versão significativamente ampliada constitui o primeiro capítulo de meu livro A cruzada contra as ciências (a ser publicado). Outros textos sobre o mesmo tema podem ser lidos no referido site português, que, aliás, é um dos melhores endereços filosóficos da rede. Estudantes de todas as áreas podem aí encontrar textos claros e didáticos.

Charles Darwin manteve A Origem das Espécies na gaveta por 20 anos. Temia chocar a mentalidade religiosa de seus contemporâneos: a teoria da evolução demonstrava, afinal, que o homem é apenas um animal entre outros e, como todos os outros, evoluiu a partir de formas simples, através da seleção natural. Nenhum lugar especial está destinado a este parente próximo dos macacos (tão próximo que, sabe-se hoje, seus genes são 99% idênticos aos do chimpanzé). Conclusão: o homem não é, ao contrário do que dizem os textos bíblicos, um ser criado segundo algum "plano divino", mas resultado — como o próprio universo — de um processo cego, sem finalismo, submetido apenas a causas e leis naturais.

Enfim publicada em 1859, a explosiva obra de Darwin marcava o início de uma revolução nas ciências e de uma profunda revisão nas concepções filosóficas e religiosas, gerando persistentes e apaixonadas controvérsias.

A reação foi imediata. "O ateísmo esmagador cai sobre nós", bradavam os dogmáticos; a Bíblia deve ser interpretada e aceita literalmente, proclamava um documento assinado, em Oxford, por 11 mil clérigos anglicanos. A criação seria, daí em diante, o ponto central da discórdia e da rejeição do darwinismo pelas religiões cristãs, embora algumas delas jamais tenham assumido uma posição oficial sobre a evolução. É o caso, por exemplo, das igrejas anglicana, protestante e católica (esta excluiu a Origem do Índex de proibições).

Mas o fato é que, aos poucos, as reações ao evolucionismo tornar-se-iam menos hostis, pelo menos na Europa. Há religiosos que não vêem conflito entre a idéia da criação divina da vida e a evolução das espécies. Em outras palavras, não interpretam a Bíblia tão ao pé da letra.

Se os religiosos europeus, contudo, já não formam cruzadas contra Darwin e a teoria da evolução, o mesmo não acontece nos Estados Unidos, principalmente no sul. Lá, religiões aferradas à criação e ao fundamentalismo ainda acatam — contra todas as evidências científicas — as idéias do bispo Ussher, que proclamou em 1665, com base nas escrituras, que a Terra foi criada exatamente às 9 horas da manhã do dia 23 de outubro de 4.004 a. C.

Literalismo bíblico

Pouco importam os métodos de datação radioativa e os registros fósseis de milhões de anos (embora com lacunas, avidamente exploradas pelos antievolucionistas). Para os adeptos do criacionismo, ninguém pode saber o que realmente aconteceu, pela simples razão de que "não havia gente para observar". Isto significa que não há conhecimento dessas épocas e que a ciência só pode remontar ao início dos registros escritos. Pois ciência, como escreve Henry Morris — um dos velhos ideólogos do movimento criacionista — em seu Scientific creacionism (San Diego, Creation-Life, 1974), "significa conhecimento, e a essência do método científico é a observação experimental" (textos de ambos os lados da controvérsia podem ser encontrados na coletânea organizada e comentada pelo filósofo canadense Michael Ruse em But is it science? The philosophical question in the creation/evolution controversy, Amherst, Prometheus Books, 1996).

Basicamente, o que une os cristãos fundamentalistas norte-americanos em torno do criacionismo é a interpretação literal da Bíblia. O mundo teria começado tal como escrito nos primeiros capítulos do Gênesis, isto é, teria sido criado no espaço de 6 dias, e o Dilúvio seria um fato histórico, assim como a Arca salvadora de Noé.

Essa crença na criação fixou raízes na cultura popular. Uma pesquisa Gallup realizada em 1991 demonstrou que 47 por cento dos norte-americanos acreditam que Deus criou o homem na sua forma atual, num momento "entre os últimos 10 mil anos"; que 40 por cento acham que o homem se desenvolveu a partir de formas de vida menos avançadas há milhões de anos, mas "Deus guiou todo o processo, inclusive a criação do homem"; e que apenas 9 por cento acreditam que o homem evoluiu a partir de formas mais simples, mas "Deus não tomou parte nesse processo".

Por que, então, a controvérsia? Antes de tudo, pesquisas mostram também que a maioria dos cientistas se enquadra no ponto de vista naturalista dessa minoria de 9 por cento da população. É difícil imaginar algo que separe tão profundamente o cidadão comum do homem de ciência. Além disso, a ciência tornou-se uma força dominante na cultura contemporânea, ganhando respeitabilidade e acesso privilegiado às salas de aula da escola pública, em detrimento das religiões — motivos suficientes para que os criacionistas neguem e combatam o trabalho dessa minoria tão poderosa.

Trata-se de uma cruzada que, no curso deste século, tem renovado suas táticas e reciclado seus argumentos. Com um benefício, pelo menos: reavivou o velho problema filosófico da demarcação entre ciência e pseudociência.

A ciência no banco dos réus

Metodistas, batistas e presbiterianos dominaram a campanha antievolucionista nos EUA nas primeiras décadas do século XX. Somente nos anos 20 , mais de 20 legislaturas debateram temas antievolucionistas e quatro Estados (Oklahoma, Tennessee, Mississippi e Arkansas) baniram das escolas públicas o ensino da teoria darwiniana (ver Ronald Numbers, "The creationists", em But is it science?, cit., e Michael Shermer, Why people believe weird things, Nova Iorque, W. H. Freeman, 1997, parte 3).

Vale a pena rememorar, portanto, os principais passos dessa velha cruzada (não extensiva, é bem verdade, a todos os criacionistas) que acabou desembocando nos tribunais, um dos quais seria compelido até mesmo a definir em sentença o conceito de ciência.

Em 1923, Oklahoma aprovou uma lei oferecendo livros gratuitamente para as escolas, desde que nem os livros nem os professores mencionassem a evolução. No Tennessee, em 1925, o Butler Act proibiu o ensino de qualquer teoria que negasse "a história da Divina Criação do homem" (de acordo com a Bíblia), o que foi interpretado como uma violação das liberdades civis (o célebre "Caso Scopes"). A lei, no entanto, só seria revogada em 1967.

Nos anos 60 e 70, entra em campo uma nova geração de criacionistas, que passou a demandar igual tempo para Darwin e para o Gênesis nas escolas. Argumento: a evolução é "apenas" uma teoria, não um fato. A Creation Research Society, fundada em 63, toma a linha de frente das organizações criacionistas e consegue aprovar em algumas legislações a exigência de que os livros escolares incluíssem a advertência de que "a origem e criação do homem e seu mundo não é um fato científico". A Bíblia era designada, uma vez mais, como texto de referência. A Associação Nacional do Professores de Biologia recorre e vence na Suprema Corte em 68.

Os criacionistas, então, mudam de estratégia. Já que a teoria da evolução não podia ser banida, passam a lutar por igual tempo para a "creation-science" e para a "evolution-science". É aqui que entram em cena o citado Morris e seu fiel escudeiro Duane Gish (um PhD em bioquímica, astro dos debates antievolucionistas), organizando o Creacion-Science Research Center, em 72, junto ao Christian Heritage College de San Diego, na Califórnia.

Nos dois anos seguintes, eles espalham os livretes Science and Creation (destinados a alunos de 1.a a 8.a séries) em 28 Estados. A "ciência da criação", sustentavam, deve ter proporcionalmente o mesmo espaço reservado à "ciência da evolução" nos currículos escolares. Ao mesmo tempo, o CSRC desenvolve campanhas em que atribui ao evolucionismo a "decadência moral dos valores espirituais", a "destruição da saúde mental" e o aumento dos divórcios, do aborto e, até, das "doenças venéreas"! (R. Numbers, coletânea citada).

Popper, Kuhn, Feyerabend...

Na defesa da "criação" como alternativa à "idéia de evolução", os criacionistas costumam citar filósofos como Karl Popper (para desgosto do próprio), Thomas Kuhn e Paul Feyerabend, os dois últimos, curiosamente, caros também à "esquerda acadêmica" nova-iorquina, em geral relativista, multiculturalista e "desconstrucionista" (guardadas as diferenças, o que une criacionistas e "pós-modernistas" é uma visão ideológica das ciências).

A epistemologia popperiana, como se sabe, exige que as teorias científicas sejam falseáveis, isto é, a teoria só é cientifica se um fato ou observação puder refutá-la. O filósofo, aliás, chegou a afirmar que o darwinismo é um "programa de pesquisa metafísica", ao invés de teoria científica passível de prova (cfr. sua Autobiografia intelectual, SP, Cultrix, 2a. ed., 1986). Os criacionistas aplaudem, mas omitem o fato de que Popper reviu sua posição em carta à revista New Scientist (1980), reconhecendo que a evolução da vida na Terra é testável e, portanto, científica.

Kuhn, por sua vez, definiria (em A estrutura das revoluções científicas, SP, Perspectiva, 1976) o progresso científico como competição entre modelos ou paradigmas , termo que virou moda na área de Humanidades. Os criacionistas não perderam a oportunidade: modelo por modelo, não havia razão para que o "paradigma da criação" não competisse, em igualdade de condições, com o "modelo da evolução". A tática deu certo: Arkansas e Lousiana, além de comitês de educação de outros Estados, adotariam o argumento dos "dois modelos". Outro caso (McLean vs. Arkansas) que foi parar nos tribunais.

O relativismo radical de Feyerabend foi, igualmente, providencial para a "ciência da criação". O autor do célebre Contra o método igualaria a ciência aos mitos, ao vodu, à bruxaria e à astrologia. Sua teoria do "vale-tudo" ajudou a devastar muitas áreas das chamadas ciências sociais e, é claro, serviu como luva aos fundamentalistas religiosos: Feyerabend chegaria a defender-lhes o direito de terem sua versão da criação ensinada nas escolas públicas lado a lado com a teoria de Darwin (ver O fim da ciência, de John Horgan, SP, Cia. das Letras, 1998).

Ciência definida (e defendida) no tribunal

O caso do Arkansas foi julgado em 81, contando com testemunhas como o paleontólogo Stephen Jay Gould (vários livros traduzidos no Brasil), o biólogo e geneticista Francisco Ayala e o filósofo Michael Ruse, entre outros. O juiz federal William Overton proferiria uma sentença memorável (reproduzida em But is it science?, cit.) em que, definindo o que é ciência, concluiu que o conceito era inaplicável à autodenominada creation-science.

Descritivamente — escreve Overton —, "ciência é o que é aceito pela comunidade científica" e "o que os cientistas fazem". E completa: "mais precisamente, as características essenciais da ciência são: 1) é voltada para as leis naturais; 2) deve ser explicativa em relação às leis naturais; 3) é testável no mundo empírico; 4) suas conclusões são provisórias, isto é, não constituem necessariamente a palavra final; e 5) é falsificável".

São características que faltam à "ciência da criação", explica o juiz, porque esta faz referência a uma intervenção sobrenatural, a um Criador que teria gerado o universo a partir do nada (creatio ex nihilo), ou seja, conforme escrito nos primeiros 11 capítulos do Gênesis. A creation-science é, na verdade, religião, posto que seus argumentos não são explicativos em relação à natureza, não são testáveis nem falseáveis. Em poucas palavras, pertencem ao terreno da fé. Era inconstitucional, portanto, a lei do Arkansas, por violar a separação constitucional entre Estado e religião.

Duplo erro, o dos criacionistas: ao pretenderem estatuto científico para seus dogmas e ao definir a evolução como evolution-science. Como lembra Ruse, isto não faz sentido, pois não existe no mundo tal disciplina científica. O corpo de conhecimentos que eles assim denominam abrange ciências tão diversas como a astronomia, a cosmologia, a geologia, a biologia, a paleontologia, a química, a física e a botânica.

Isto não implica, obviamente, que a teoria da evolução não seja científica. O próprio Papa João Paulo II reconheceria, em mensagem à Academia Pontifícia de Ciências (22/10/96), que a teoria darwiniana "é bem mais que uma hipótese", sendo hoje aceita amplamente pelos pesquisadores em decorrência das "descobertas em vários campos do conhecimento". A convergência dos resultados de trabalhos conduzidos independentemente, observa ele, "é por si mesma um argumento significativo em favor dessa teoria". Embora, coerentemente com sua doutrina, o Papa ressalve que, se o corpo humano tem origem em substâncias preexistentes, "a alma foi imediatamente criada por Deus".

Os mecanismos da evolução

O que os cientistas entendem por evolução, resume Ruse, é a explicação de como a vida se desenvolveu depois de sua formação: não é objetivo da teoria evolucionária explicar como a vida começou. Além disso, é importante distinguir, em relação ao termo evolução, o acontecimento evolução do modo como aconteceu (o que os criacionistas confundem). Nenhum cientista nega que a evolução seja um fato; o que se discute é como aconteceu, ou seja, quais os mecanismos da evolução.

Criacionistas que admitem de algum modo a evolução — porque é impossível negá-la absolutamente —, limitam-na à evolução interna às espécies (não aceitando sua ocorrência entre espécies). Rejeitam, em conseqüência, que os seres vivos do planeta descendem de um único ancestral, como está inscrito no código genético, literalmente idêntico em todos os animais, plantas e bactérias. Apesar de diferirem em detalhes superficiais, todos eles "são variação do tema DNA e as 30 milhões de maneiras pelas quais ele se propaga" (ver, por ex., de Richard Dawkins, inimigo número 1 dos criacionistas, O rio que saía do Éden, Rio de Janeiro, Rocco, 1996, e A escalada do monte improvável, SP, Cia. das Letras, 1998).

O próprio Darwin fez conjecturas também sobre como aconteceu a evolução, sugerindo que o mecanismo mais importante foi a seleção natural. Sua argumentação, sucintamente: a) as populações tendem a crescer indefinidamente em proporção geométrica; b) num ambiente natural, porém, o número populacional estabiliza-se em certo nível; c) ocorre uma "luta pela existência", porque nem todos os organismos produzidos podem sobreviver e se reproduzir; d) há variação — lenta, gradual — em cada espécie; e) na competição pela sobrevivência, os indivíduos com variações que são mais adaptáveis ao ambiente deixam mais descendentes que os menos aptos. Sobrevivem, portanto, os que conseguem transmitir com êxito seus genes para a geração seguinte.

Quanto à seleção natural, porém, há discordância entre os cientistas. Alguns consideram mais importante o mecanismo da especiação [formação de uma ou mais espécies a partir de espécies existentes, por ex., por anagênese (transformação de uma espécie em outra)]; outros, como Niles Eldredge e Stephen Jay Gould, propõem a teoria do "equilíbrio pontuado", que, negando o gradualismo darwiniano, sustenta que a evolução envolve mudanças rápidas e estase, como se ocorresse aos solavancos; outros, ainda, consideram que o "puro acaso" pode ser um importante fator (ver Ruse e Shermer, citados, e Ernst Mayr, Toward a new philosophy of biology, Cambridge, Mass., Harvard University Press, 1988). Nas ciências, como se vê, a crítica e a discordância são fundamentais: conjecturas e refutações, como dizia Popper — o oposto do dogmatismo religioso/criacionista.

É claro que, 140 anos depois da publicação da Origem, alguns princípios básicos da obra foram refinados, graças ao impressionante desenvolvimento de ciências como a biologia e a genética moleculares, que vão além do neodarwinismo ou "Nova Síntese" (fusão da genética mendeliana com a teoria darwiniana, entre os anos 20 e final dos 50). As descobertas da genética molecular, nos últimos anos, conduziram a uma outra síntese: conhece-se agora a natureza química do gene, que propiciou uma visão dos processos evolucionários em nível molecular.

Isto comporta, segundo Ayala, notáveis vantagens em relação à anatomia comparativa e outras disciplinas clássicas. A informação "é mais facilmente quantificável: o número de aminoácidos ou nucleotídeos que são diferentes é prontamente estabelecido quando a seqüência de unidades numa proteína ou ácido nucléico é conhecida para vários organismos". É o que acontece, por exemplo, com a seqüência de aminoácidos do citocromo c, que já foi determinada em vários organismos, da bactéria aos insetos e aos seres humanos, fornecendo uma representação clara de como se processou a história evolutiva desses organismos (Ayala, "The mechanisms of evolution", em But is it science?, cit.).

Dawkins, o darwinista ortodoxo que os criacionistas tanto abominam, reitera o exemplo de Ayala. Não há dúvida, comenta ele, de que "os textos de ADN retirados de representantes de espécies diferentes têm sido comparados com grande sucesso, letra por letra, para reconstruir as árvores de família das espécies" — com a possibilidade, inclusive, de estabelecer datas para as ramificações (a controvertida teoria do "relógio molecular", que supõe que as mutações em qualquer parte do "texto" do código genético ocorrem a uma taxa constante por milhão de anos).

Em relação ao citocromo c, "o parágrafo" nos nossos genes que descreve essa proteína tem 339 letras. Esclarece Dawkins: "Doze trocas de letras separam o citocromo c humano do citocromo c dos cavalos, nossos primos muito distantes. Apenas uma troca de letra no citocromo c separa os humanos dos macacos (nossos primos bastante próximos), uma troca de letra separa os cavalos dos jumentos (seus primos muito próximos) e três trocas de letras separam os cavalos dos porcos (seus primos um tanto mais distantes). Quarenta e cinco trocas de letras separam os humanos do levedo e o mesmo número separa os porcos do levedo. Não é surpresa que estes números sejam os mesmos, pois, à medida que subimos o rio que conduz aos humanos, ele reúne-se ao rio que conduz aos porcos muito antes de o rio comum a humanos e porcos se juntar ao rio que conduz ao levedo" (O rio que saía do Éden, cit.).

O verme nematóide, por exemplo, está mais próximo do ser humano do que poderia imaginar alguém que considera aviltante até a proximidade genética com os macacos. A empresa norte-americana Genomium Sequencing Consortium concluiu, em dezembro último, depois de oito anos de pesquisa, o mapeamento completo dos genes desse verme, o primeiro animal a ser completamente desvendado. A conclusão é espantosa: de cada cinco genes do nematóide — ou Caemorhabditis elegans —, dois existem também no homem. Não é pouco, já que seu corpo tem apenas 959 células, enquanto o humano tem 50 trilhões. Habitante do solo, o nematóide tem pouco menos de 20 mil genes, ou seja, três vezes mais que as bactérias e cinco vezes menos que o ser humano (aproximadamente 100 mil).

Todos os mecanismos aqui mencionados excluem o finalismo. Trocando em miúdos, não há um sentido evolucionário. Evolução não quer dizer "progresso" das espécies, nem tampouco significa que o homem seja o ser mais complexo da Natureza, se por isso se entende a complexidade mental. O fato é que não há uma tendência geral de evolução para cérebros grandes.

Como lembra Gould (entrevista a La Recherche, setembro/97), existem mais espécies de bactérias que de animais multicelulares, e mais de 80% das espécies multicelulares são insetos. "Não se pode dizer que o crescimento da complexidade mental caracterize a evolução", mesmo porque, "das quase 4 mil espécies de mamíferos, apenas uma é consciente de si mesma". O traço mais fundamental da "árvore da vida", conclui o paleontólogo, "é a constância da vida bacteriana" — e bactérias e vírus, aliás, evoluem mais rapidamente que nós.

"Intelligent Design", o retorno

A mais recente versão da cruzada antievolucionista, batizada de "Intelligent Design" (idéia antiga, como veremos), tenta agora fixar raízes em universidades seculares. Dela participam intelectuais e líderes políticos conservadores — muitos deles ligados à direita cristã fundamentalista — como Irving Kristol, William Buckley, Jr., Robert Bork, Walter Bradley e Philip Johnson (ver, de Ronald Bailey, "Origin of the specious. Why do neoconservatives doubt Darwin", em Reason magazine, julho 97). Juntam-se ao coro biólogos, matemáticos e bioquímicos como David Berlinski, William Dembsky, Jonathan Wells, Michael Denton e Michael Behe — este, no momento, o mais incensado (por seu livro A caixa preta de Darwin, Rio de Janeiro, Jorge Zahar Editor, 1997).

Alguns negam ser criacionistas, alegando que se interessam apenas pela existência de um "projeto inteligente" no universo, mas não por um designer (isto é, um Criador). Rejeitam a interpretação literal da Bíblia, a idéia de que a Terra é jovem e até aceitam alguma forma de evolução, desde que complementada pelo "projeto inteligente". São todos, em realidade, criacionistas envergonhados, já que ativos e assíduos participantes em conferências e encontros promovidos por organizações religiosas norte-americanas.

Analisemos com brevidade alguns argumentos dos líderes mais expressivos do movimento. Philip Johnson, professor de Direito Penal na Universidade da Califórnia/Berkeley, é menos conhecido por seus estudos jurídicos que por seus livros contra Darwin e a teoria da evolução, entre eles Darwin on trial (InterVarsity Press, 1991), que exerceu grande influência no recente deslocamento da cruzada rumo à academia.

Seu propósito pode ser resumido na fórmula "naturalismo = materialismo = ateísmo", já que a ciência "declara que a natureza é tudo, e que da matéria veio tudo o que existe". Daí os ataques a Dawkins (de novo), a Carl Sagan e outros "mercadores do ateísmo", cuja agravante é escreverem com clareza e, por isso, serem convincentes. Contra estes, é preciso "preparar a próxima geração de pensadores para que compreendam a diferença entre ciência real e filosofia materialista".

Percebe-se que o advogado e professor Johnson tem pouco apreço pelos dados da biologia evolucionária e molecular ("protegem o materialismo"), da paleontologia, da genética, da embriologia, etc. Na sua visão, a ciência foi "capturada" por uma ideologia a ser desbaratada, o materialismo/naturalismo. "Um por um, os grandes profetas do materialismo revelaram-se falsos profetas e foram deixados de lado. Marx e Freud perderam seu estatuto científico. Agora é a vez de Darwin" — proclama Johnson. O principal objetivo da cruzada para o próximo milênio, por ele traçado, é "separar a filosofia materialista das ciências empíricas" — o evolucionismo seria, no máximo, uma filosofia.

Quanto à militância do autor em favor do teísmo (crença típica da tradição judaico-cristã num Deus pessoal, onisciente e onipotente, criador de tudo o que existe), basta consultar How to sink a battleship: a call to separate materialist philosophy from empirical science, palestra pronunciada na Mere Creation Conference, realizada em Los Angeles, em 1996, sob os auspícios da Campus Crusade for Christ e dirigida por Rich McGee, um especialista em "Velho Testamento" e diretor da International Expansion for Christian Leadership Ministries (este e outros textos aqui referidos estão disponíveis on-line, no endereço ). Entre os membros do comitê diretor da conferência, vale notar sem surpresa, os já citados Michael Behe, Walter Bradley, William Dembsky e, claro, Phil Johnson, que retomaria as argumentações mais tarde, em artigo na Boston Review (fevereiro/março 97), sob o título "Dogmatic materialism".

Proposta do encontro: formular uma alternativa ao naturalismo científico e unir pesquisadores teístas contra o secularismo, dominante nas universidades e nas ciências, além de marcar uma posição sobre as "origens" — calcada, precisamente, no slogan "mera criação" — que possa ser amplamente aceita pelos cristãos. Para tanto, criou-se o jornal Origins & Design, ligado aos "ministros de Cristo" nos campi, que incentivam professores e alunos a assinar uma "Declaração de fé" em que afirmam sua crença na "inspiração divina e na autoridade da Bíblia"; na "divindade de Nosso Senhor Jesus Cristo" e no "fato histórico de Sua ressurreição corporal"; "na presença e no poder do Espírito Santo em prol da regeneração"; e na "expectação do retorno pessoal do Senhor Jesus" (ver o site da Leadership University, em ).

Para a "grandiosa tarefa" de separar as ciências empíricas da "filosofia materialista", Johnson apela a todos os que possuem "retidão de espírito". "Se você é um cientista", conclama ele, "você pode seguir os passos de Michael Behe" e outros que não se rendem aos "preconceitos materialistas". "Se você é um filósofo", prossegue, "você pode encorajar seus colegas a falar contra outros filósofos e cientistas que abusam de sua autoridade promovendo filosofias dúbias como se fossem empiricamente confirmadas".

E, por fim, faz uma exortação a seus colegas advogados, cuja missão é persuadir os juizes de que "os princípios constitucionais da liberdade de expressão se aplicam à crítica do naturalismo evolucionário", posto que "muitos juizes têm a idéia de que a crítica do naturalismo e do materialismo é 'religião', e, portanto, deve ser proibida nas instituições públicas".

Em relação a Johnson, fiquemos por aqui. Sua ideologia, de motivação nitidamente religiosa, não necessita de mais exemplos.

Do relógio de Paley à "caixa preta" de Darwin

O bioquímico Michael Bee (Universidade de Lehigh, na Pensilvânia) é o mais novo astro das conferências criacionistas — embora afirme não ser um deles — por içar novamente a bandeira do "Planejamento Inteligente", sob o argumento de que alguns sistemas da Natureza são "demasiado complexos" para terem surgido por evolução. Apesar de filosoficamente antigo, o argumento dá nova vida à dicotomia "teísmo versus materialismo" empunhada pelos "ministros de Cristo", que vêem a sociedade cindida na luta entre essas duas vertentes (cf. o artigo "Anti-evolutionists form, fund Think Tank: old-Eart moderates poised do spread Design Theory", de Eugenie C. Scott, diretor do National Center for Science Educacion, que congrega professores de ciências e que há anos vem desenvolvendo atividades fundamentais na controvérsia creacion/evolution).

O Design Argument remonta, na tradição cristã medieval, às chamadas "provas da existência de Deus" (ontológica, cosmológica e teleológica), discutidas sobretudo por Tomás de Aquino (1221-1274). Trata-se, na verdade, do Argumento Teleológico, cuja versão popular foi elaborada pelo teólogo inglês William Paley (1743-1805) em sua obra Natural Theology, que, em sua passagem mais famosa, convida o leitor a imaginar uma caminhada por uma charneca.

"Suponhamos" — escreve o reverendo — "que bati com o pé numa pedra, e alguém me perguntou como a pedra chegou ali. Eu bem poderia responder que (...) ela poderia ter estado ali desde sempre; e talvez não fosse muito fácil demonstrar que a resposta era absurda. Mas suponhamos que eu tivesse encontrado um relógio no chão, e alguém me perguntasse como ele havia chegado ali. Eu dificilmente pensaria na resposta que dei antes, que, por tudo que sabia, o relógio devia ter estado ali desde sempre. Ainda assim, por que essa resposta não serviria para o relógio, assim como havia servido para a pedra?".

Paley faz essa distinção entre objetos do mundo natural e objetos manufaturados para concluir que, examinado o relógio e percebidas a ordem e regularidade de suas engrenagens, só se pode inferir "que o relógio tinha que ser obra de um criador — que deve ter existido, em algum tempo e em um ou outro lugar, um artífice, ou artífices, que o construíram para tal finalidade (...), que compreenderam sua construção e planejaram seu uso" (trechos cits. por Behe, em A caixa preta de Darwin, e por Dawkins, no livro The blind watchmaker, Nova Iorque, W. W. Norton, 3a. ed., 1996, em que resume: se há um relojoeiro, trata-se de um "relojoeiro cego", como demonstra a seleção natural).

A propósito do Argumento Teleológico — que no século XVIII integrou o projeto de uma aproximação entre religião e ciência experimental —, convém recordar que foi submetido a cerrada crítica já pelo filósofo escocês David Hume (1711-1776), na obra póstuma (e sua predileta) Diálogos sobre a religião natural, escrita nos anos 50. Por sua vez, o "idealista" Kant (1724-1804), que não pode ser acusado de espírito anti-religioso, devastaria as três provas metafísicas da existência de Deus — e, com elas, boa parte da filosofia (ou metafísica), de Platão a Leibniz.

Nada disso perturba o bioquímico Behe, que, apesar de criticar Paley, a quem atribui "exemplos medíocres de planejamento", acaba por afirmar que o teólogo "freqüentemente acerta em cheio". Behe atribui a si próprio as provas definitivas em favor do design, "em face da enorme complexidade que a bioquímica moderna descobriu na célula". O resultado desse esforço de investigação da vida no nível molecular, diz ele, "é um alto, claro e agudo grito: 'planejamento!'". Tal trabalho, pontifica, "é uma das grandes realizações da história da ciência". E, pouco modesto, conclui: "a descoberta se compara às de Newton e Einstein, Lavoisier e Schrödinger, Pasteur e Darwin".

A ratoeira de Behe

A inspiração confessa de Behe (cf. entrevista reproduzida em ) são os livros de Philip Johnson (Darwin on trial) e de Michael Denton, que escreveu Evolution: a theory in crisis (Bethesda, Adler & Adler, 1985), em que considera a descendência dos seres vivos de um ancestral comum apenas "uma hipótese altamente especulativa", sem suporte fatual direto. Embora admita que a "microevolução" seja um fato comprovado, Denton sustenta que não há evidências quanto à "macroevolução" — uma tese compartilhada por Behe e, obviamente, também festejada pelos criacionistas.

Os dois autores antievolucionistas exerceram "forte impacto" sobre Behe. O livro de Denton foi particularmente significativo porque, diz ele na entrevista, "critica a evolução sob um um ponto de vista inteiramente científico" e, "como cientista, eu quero chegar a conclusões sobre o mundo físico a partir da experiência". Como "católico romano", entretanto, ele acredita que "Deus criou o mundo e é responsável pela vida nele", mas afirma não cultivar "objeções teológicas a priori em relação à vida ter sido produzida por processos completamente naturais". Diante de tais declarações, fica difícil dizer que Behe não seja criacionista.

O argumento central do bioquímico no livro — bem escrito e informado, por sinal — é o da "complexidade irredutível". Um sistema "irredutivelmente complexo, explica, "é um sistema único composto de várias partes compatíveis, que interagem entre si e que contribuem para sua função básica, caso em que a remoção de uma das partes faria com que o sistema deixasse de funcionar de forma eficiente". Um sistema de tal complexidade "não pode ser produzido diretamente (isto é, pelo melhoramento contínuo da função inicial, que continua a atuar através do mesmo mecanismo) mediante modificações leves, sucessivas, de um sistema precursor" (p.48).

O exemplo favorito de Behe é a ratoeira. Ela tem uma função simples (pegar ratos) e possui várias partes (uma plataforma, uma trava, um martelo, uma mola e uma barra de retenção). Se qualquer dessas partes for removida, o aparelho não funciona. Portanto, é irredutivelmente complexo (um automóvel, em contrapartida, pode funcionar com os faróis queimados, sem as portas, sem pára-choques, etc.).

Conclusão: sistemas irredutivelmente complexos constituem "sérios obstáculos à evolução darwiniana". O problema, para o darwinismo, é que ele requer que cada passo, na evolução de um sistema, seja funcional e adaptativo.

O mundo da bioquímica, segundo Behe, está cheio de exemplos de sistemas irredutivelmente complexos, como a visão, a coagulação do sangue, a célula e o transporte celular. Trata-se de máquinas químicas finamente delineadas, com precisão extrema e interdependentes. A teoria darwiniana, para o autor, é incapaz de explicar a base molecular da vida. Máquinas como a célula não podem ter se desenvolvido à maneira darwiniana. São uma verdadeira "caixa preta", cujo funcionamento interno "continua misterioso". Portam a assinatura de um designer inteligente.

Graças a Behe e à bioquímica, assistimos a nada menos que uma nova revolução copernicana: "a observação de que houve planejamento inteligente da vida é tão importante quanto a observação de que a Terra gira em torno do Sol ou que doenças são causadas por bactérias, ou ainda que a radiação é emitida em quanta"!

Desarmando a ratoeira

Da parte dos cientistas — especialmente os biólogos moleculares — não faltaram críticas ao bioquímico especulativo que retoma o Design Argument, por mais que proclame não se preocupar com um designer. O problema é que ele considera científicas algumas conclusões que são, na melhor das hipóteses, filosóficas. O católico Behe, que já tem "a Verdade" como ponto de partida, acha que seus colegas abertos ao ceticismo — tão necessário às ciências — é que são dogmáticos. Falta pouco para, como o padrinho Phil Johnson, bradar contra o "materialismo ateu" dos métodos científicos.

Allen Orr, por exemplo, afirma que um sistema "irredutivelmente complexo" pode, sim, ser construído gradualmente pela adição de partes que, de ínicio, são meramente auxiliares, mas que, devido a mudanças posteriores, tornam-se essenciais. A lógica, diz ele, é bastante simples. Uma parte A serve (ainda que não muito bem) a alguma função. Uma outra parte, B, é adicionada para auxiliar ou melhorar a primeira. Mais tarde, A pode mudar de modo tal que B se torne indispensável — um processo que continua até formar-se um sistema completo, para o qual muitas outras partes podem ser requeridas.

Não há garantia de que esses acréscimos ou melhoramentos — eis o ponto — permaneçam sendo meros acréscimos: podem tornar-se essenciais. Basta pensar na programação de computadores. Linhas de código são adicionadas sucessivamente a um programa, até que ele funcione de modo satisfatório, de modo que pode tornar-se difícil ou impossível reconstruir, passo a passo, o caminho ou origem — até mesmo pelo programador. O sistema construído pode, assim, tornar-se irredutivelmente complexo. Mas essa "complexidade irredutível" não invalida a evolução gradual, e o mesmo ocorre com os processos bioquímicos (Orr, "Darwin vs. Intelligent design (Again)", Boston review (dez/96-jan/97).

Em outras palavras, embora não possamos reconstruir o caminho de muitos sistemas, processos e coisas, isto não significa que tenham surgido prontos, perfeitos, designados desde o início por um ser consciente para cumprir uma finalidade — seja um Deus, seja um ET.

Mencione-se também a resenha do biólogo Jerry Coyne, do Departamento de Ecologia e Evolução da Universidade de Chicago, na revista Nature ("God in details", 19/set/96). Depois de considerar A caixa preta de Darwin a versão mais sofisticada da creation-science e dizer, "horrorizado", que não se reconhece na "citação seletiva" feita no livro, Coyne aponta algumas contradições de Behe. Como pode ele admitir, por exemplo, a "microevolução" e a teoria de que os seres vivos têm um ancestral comum, e, ao mesmo tempo, negar a "macroevolução"? E, finalmente, como aceitar a teoria de Behe de que criação e evolução podem ocorrer conjuntamente em nível molecular?.

Por essa "teoria híbrida" — tem razão Coyne —, produzir-se-ia descendência estéril, já que a idéia de Behe é de que a primeira célula "planejada" abrangeria o DNA para todas as futuras mudanças evolucionárias, incluindo o sistema imunológico, o olho, a coagulação do sangue, etc. De fato, se criação e evolução operam conjuntamente, e se os objetivos do designer são insondáveis, a teoria de Behe é, nos termos de Popper, infalsificável, isto é, não pode ser verificada nem refutada.

"Posso imaginar evidências que falsificariam a evolução (um fóssil de hominídeo na era pré-cambriana seria suficiente)", encerra Coyne, "mas nada pode falsificar a teoria compósita de Behe". Trata-se, portanto, de uma "obra de advocacia" criacionista, e, pode-se acrescentar, numa versão requentada do velho Argumento teleológico.

Com ela, a cruzada contra Darwin ganha novo alento.

Orlando Tambosi

4.3.06

As origens do jornalismo


Na ilustração, uma das primeiras impressoras (Fonte: biografiasyvidas.com)


Tobias Peucer e as origens do jornalismo


Orlando Tambosi*


Resumo – O artigo procura relacionar o estudo pioneiro de Tobias Peucer sobre jornalismo (publicado em 1690) com o “espírito da época”, mostrando que a atividade jornalística se desenvolve no contexto da revolução científica e que, já no século XVII, não por acaso também chamado o “século dos periódicos”, ocorre uma verdadeira “explosão do jornalismo”, que fixaria alguns conceitos fundamentais da profissão ainda hoje vigentes.

Palavras-chave: jornalismo – história – revolução científica – filosofia.

1. Tobias Peucer, considerado o autor da primeira tese doutoral sobre jornalismo[1], publicada no final do século XVII, teve o mérito de sistematizar os principais conceitos da recém-nascida imprensa periódica, mas não deve ser visto como precursor ou fundador de uma “teoria do jornalismo”. Na verdade, os pressupostos teóricos e regras técnicas que ele enuncia correspondem à “cultura da notícia”[2] que começava a se consolidar nos principais centros da Europa (principalmente na Holanda) em função da expansão do comércio e da proliferação de periódicos. Peucer remete, portanto, às origens do jornalismo (o próprio termo “jornalista” passou a ser utilizado em francês, inglês e italiano somente por volta de 1700[3]). Filho da modernidade tal como as ciências, o jornalismo seria decisivo, no século XVIII, à difusão das idéias do Iluminismo – só então assumindo características político-ideológicas mais nítidas -, que desembocariam na formação da chamada “opinião pública” e na Revolução Francesa de 1789.

Vale a pena reconstituir os traços histórico-filosóficos mais marcantes daquela época. O opúsculo de Peucer (constituído de 29 parágrafos) surge três anos depois da publicação de Princípios matemáticos de filosofia natural, de Isaac Newton (1642-1727), o pai da física moderna, e no mesmo ano em que vieram à luz o Ensaio sobre o intelecto humano e Dois tratados sobre o governo, do filósofo John Locke (1632-1704), fundador do empirismo e teórico do liberalismo. Na Alemanha de Peucer, o filósofo e lógico Wilhelm Leibniz (1646-1716) estabelecia as diferenças entre a investigação científica e a pesquisa filosófico-metafísica, criticava Descartes (1596-1650) e polemizava com Newton sobre a primazia na criação do cálculo diferencial. A revolução científica[4], que já varrera boa parte da Europa, lentamente começa a mudar a imagem do mundo, solapando a concepção aristotélico-cristã do universo.

É no século XVII que irrompe este grandioso movimento de idéias que transformará profundamente não só a ciência e a filosofia, mas a própria concepção do mundo e da vida: a obra de Galileu Galilei (1564-1642) lhe fornecerá as características determinantes; Francis Bacon (1561-1626) e René Descartes, cada qual à sua maneira, serão seus arautos filosóficos. Desfecho: “a imagem newtoniana do universo concebido como uma máquina, ou seja, como um relógio”.[5] De agora em diante,

a ciência (...) não é mais a intuição privilegiada do mago ou astrólogo iluminado, individualmente, nem o comentário a um filósofo (Aristóteles) que disse “a” verdade, isto é, não mais um discurso sobre “o mundo de papel”, mas sim investigação e discurso sobre o mundo da natureza (...). Trata-se de um processo verdadeiramente complexo, que (...) encontra seu resultado na fundamentação galileana do método científico e, portanto, na autonomia da ciência em relação às proposições de fé e às concepções filosóficas. (...) A ciência é ciência experimental. É através do experimento que os cientistas tendem a obter proposições verdadeiras sobre o mundo.[6]

É também no século XVII que surgem as primeiras academias e sociedades científicas, expressamente destinadas a promover a colaboração sistemática entre cientistas, pesquisadores e eruditos (Accademia del Cimento [Academia do Experimento], em 1657, na Itália; Royal Society, em 1662, na Inglaterra; e Académie des Sciences, em 1666, na França; na Alemanha, a Academia de Ciências de Berlim não surgiria antes de 1700, fundada por Leibniz, seu primeiro presidente).

Independentes das universidades, em geral controladas pelo poder eclesiástico e mais voltadas a uma filosofia escolástica, essas associações – como observa P. Rossi - tinham justamente por objetivo “o avanço e o progresso das ciências e das artes através da colaboração”. Tal objetivo é destacado no prefácio da primeira edição (1666) das Philosophical Transactions, revista da Royal Society, assinado por Henry Oldenburg, um seguidor de Bacon e secretário da associação: “estas Transactions são publicadas para que se possa aumentar ainda mais a aspiração a um conhecimento sólido e útil (...) e para que os pesquisadores sejam convidados e encorajados a procurar, experimentar, encontrar coisas novas, transmitir mutuamente seus conhecimentos e contribuir no que possam para o grande fim de fazer progredir a ciência da natureza”.[7]

2. A pequena Holanda se tornará, no decorrer do século - graças à abertura aos estrangeiros e ao princípio de tolerância, funcional ao desenvolvimento econômico e científico -, o refúgio de comerciantes, cientistas, filósofos e técnicos perseguidos em seus países por motivos religiosos. A fuga de cérebros e capitais dos países da Contra-Reforma transforma Amsterdã no principal centro capitalista da Europa e, conseqüentemente, no principal mercado de informação.

Num estudo sobre a gênese do capitalismo, o sociólogo italiano Luciano Pellicani aponta a república holandesa como um “verdadeiro laboratório” em que se podia observar a sociedade capitalista-burguesa em estado bruto: “laica, industriosa, tolerante”, com a economia na linha de frente, “subordinando às suas específicas exigências a política e neutralizando a religião”.[8] Tolerância religiosa e florescimento intelectual, de fato, caminhariam juntos na ascensão da burguesia mercantil holandesa, retratada nas pinturas de Vermeer e Rembrandt. Impulsionado pela diáspora de protestantes e calvinistas, tal processo desencadeará a “explosão do jornalismo”.[9]

Os “relatos jornalísticos”, porém, não nascem na Holanda. A progressiva expansão dos mercados exigiu, já a partir do século XV, uma rede de informações cada vez mais articulada. Notícias manuscritas relatando a situação político-econômica e as transações comerciais e financeiras, celeremente reproduzidas por copistas em poucas centenas de exemplares, abasteciam as elites das principais cidades. Veneza era então o centro editorial da Europa (a imprensa, recorde-se, fora inventada por Guttenberg em 1438), posição que preservaria durante todo o século XVI: funcionavam ali aproximadamente 500 casas impressoras, que publicaram milhares de livros (um só editor, Gabriel Giolito, chegou a imprimir em torno de 850 títulos)[10]. Mas as primeiras notícias impressas só surgem entre o final do século XV e o início do século XVI, a princípio com periodicidade bastante irregular, característica que se prolongará até o início do século seguinte. Tratam-se das gazetas, assim chamadas por tomarem de empréstimo o nome da moeda veneziana gazzetta, utilizada para comprá-las.
Burke observa que panfletos sobre eventos da atualidade já eram vendidos no século XVI, mas são os jornais e revistas publicados depois de 1600 que melhor ilustram o comércio da informação: “as notícias já eram vistas como mercadorias no século XVII[11].” O fato é reconhecido também por Peucer, no parágrafo VIII de seu escrito. “As causas da aparição dos periódicos impressos com tempestiva freqüência hoje em dia”, diz ele, “são em parte a curiosidade humana e em parte a busca de lucro, tanto da parte dos que confeccionam os periódicos, como da parte daqueles que os comerciam, vendem.”

3. A verdadeira imprensa periódica aparece no início do século XVII, em Antuérpia, nos Países Baixos, com a publicação semanal da folha As últimas notícias (Nieuwe Tydinghen), a partir de maio de 1605. Nos anos seguintes, novas publicações semanais surgem quase ao mesmo tempo na Basiléia, em Estrasburgo, Frankfurt, Berlim, Hamburgo, Praga, Colônia e Amsterdã. Londres terá seu primeiro jornal em 1622; Paris, em 1631; Florença, em 1636; Roma, em 1640; e Madri, em 1661.

Vale mencionar que, na França, Theophraste Renaudot, editor da Gazette e médico do rei Luiz XIII, já antecipava na década de 1630 alguns pontos importantes em relação aos jornais, tratando das fontes e estabelecendo a diferença entre história e relato jornalístico. “A história”, dizia ele, “é o relato das coisas acontecidas, a gazeta é somente a voz corrente. A primeira é tida por dizer sempre a verdade, a segunda já faz muito se impede a mentira. E não mente nem mesmo quando refere notícias falsas que lhe foram comunicadas como verdadeiras. Só a mentira difundida conscientemente como tal pode torná-la digna de reprovação.”[12] Ainda que a solução proposta por Renaudot fosse desculpar de antemão o gazetier de boa fé, eximindo-o de qualquer responsabilidade, não resta dúvida de que ele foi o primeiro a suscitar o problema das fontes, essenciais ao trabalho jornalístico.

Peucer também comentará a diferença entre relato histórico e relato jornalístico em seu estudo de 1690. Enquanto o primeiro pode ser ordenado “como um fio contínuo, conservando a sucessão precisa dos fatos históricos”, o segundo “contém a notificação de coisas diversas acontecidas recentemente em qualquer lugar”, limitando-se a uma “simples exposição”, para reconhecimento dos fatos mais importantes, ou mesmo misturando "coisas de temas diferentes, como acontece na vida diária ou como são propagadas pela voz pública, para que o leitor curioso se sinta atraído pela variedade de caráter ameno e preste atenção” (parágrafos III e IV). O relato periodístico, em suma, trata de “coisas singulares”, tais como inundações, tempestades, terremotos, “as obras ou os feitos maravilhosos e insólitos da natureza ou da arte” etc. (parágrafo XV).

Quanto às fontes, Peucer parece sugerir a pluralidade. Diz ele no parágrafo XIV que “é preciso averiguar se quando um fato acontecido recentemente é anunciado imediatamente em locais diversos, é confirmado pelo testemunho de muitos”. Se houver discordância, confere-se “uma credibilidade provável às coisas narradas, de sorte que afinal ao mais sério, pode suceder-lhe que algumas vezes se lhe misture coisas falsas com coisas verdadeiras sem culpa sua.” Sobretudo, “não se pode mentir nem dizer coisas falsas de sorte que o outro forme uma opinião falsa ou seja enganado”.

Segundo o historiador dos media Jeanneney, é exatamente no século XVII que se desenham alguns traços da imprensa moderna: já é amplo o leque de gêneros, e a nova profissão começa a ampliar sua própria liberdade, apesar das interferências dos governos e da corrupção[13]. Excetuando-se a liberal Holanda, no entanto, haveria censura prévia e férreo controle da imprensa por parte das monarquias européias até o século seguinte. O rei Frederico Guilherme I da Prússia, por exemplo, permitiria a existência, durante seu reinado (1713-1740), de apenas dois jornais, a cargo de funcionários por ele próprio designados: um, oficial, dedicado a assuntos da realeza; outro, literário, dedicado exclusivamente aos livros escolhidos pelo rei (a situação na Alemanha e Áustria só mudaria com a ascensão de Frederico II, iluminista, amigo dos filósofos, que desenvolve uma concepção menos grosseira do mundo cívico[14]). Basta lembrar, por fim, que livros ainda eram queimados em praça pública em pleno século XVIII, entre eles as Cartas filosóficas, de Voltaire (obra publicada em 1733), e o Emílio, de Rousseau (1762).

O sistema de censura mais abrangente, contudo, foi o instituído pela Igreja católica no século XVI: o Index Librorum Prohibituorum (Index dos Livros Proibidos). Concebido para se contrapor à Reforma (e à imprensa), incluía não só obras de teologia protestante, mas livros sobre outros assuntos escritos por “hereges”. Na lista figuravam nomes famosos como Copérnico, Galilei, Bacon, Descartes, Locke, Espinosa, Voltaire, Rousseau – para ficar apenas nos mencionados neste artigo. Atualizado regularmente até a 32a. edição, de 1948 (com uma relação de 4 mil livros), o Index foi um obstáculo à circulação do conhecimento no mundo católico: fora das bibliotecas dos grandes centros, era difícil encontrar exemplares de livros proibidos.[15]
Sobre a censura, o que tem a dizer Peucer? O parágrafo XVIII, a propósito das “precauções” para a seleção da matéria dos relatos jornalísticos, certamente não expressa a visão de um iluminista:

Eis a terceira precaução: que não se insira nos periódicos nada que prejudique os bons costumes ou a verdadeira religião (...). É por isso que em algumas cidades se estabeleceu com uma prudente decisão que não seja permitido imprimir periódicos sem que estes tenham sido aprovados pela censura. Dá-se, com efeito, a honesta disciplina, para que os espíritos inocentes não sejam ofendidos com esta espécie de páginas impuras espalhadas aqui e ali, ou que, por outro lado, os que são propensos ao mal, não venham a ser incitados por esse tipo de escritos.

4. Amsterdã passa a ocupar no século XVII o lugar que Veneza ocupara no século anterior como centro de informação e de produção e comercialização de livros. Gazetas de notícias eram ali impressas regularmente em diversas línguas, como é o caso dos primeiros jornais publicados em inglês e francês, em 1620: The Corrant out of Italy, Germany etc. e Courant d’Italie, Alemaigne etc. [Atualidades da Itália, Alemanha etc.]. Mais de 270 livreiros e impressores atuavam na cidade, imprimindo também bíblias, mapas, Atlas, dicionários, enciclopédias e relatos de viagens em vários idiomas, do latim ao francês, do inglês ao alemão, além de russo, iídiche, armênio e georgiano. Contam os historiadores que os marinheiros ingleses dependiam dos editores holandeses para informações e orientações “até mesmo sobre as costas da Inglaterra”.[16] Tanto se publicava (e não só na Holanda) que, ao final do século, surge também a resenha de livros.

É ainda em Amsterdã que o filósofo calvinista Pierre Bayle (1647-1706), exilado da França, começa a publicar em 1684 as Nouvelles de la République des Lettres [Notícias da República das Letras], cujo sucesso foi imediato[17]. Cresciam agora as publicações eruditas e culturais, a exemplo das revistas das academias científicas (como a citada Philosophycal transactions, da Royal Society inglesa). Em Paris, o Journal des Savants (1665), mantido pela Academia de Ciências, cultiva em suas 12 páginas semanais um modelo mais cultural e literário que seu congênere inglês, logo seguido pelo romano Giornale de’ Letterati (1668), de circulação mensal. Em Leipzig, as Acta Eruditorum (1684), editadas em latim, se transformariam numa das revistas mais famosas do século (foi em suas páginas, por exemplo, que Leibniz expôs o cálculo diferencial).

Nesse meio-tempo, a Leipzig de Peucer se afirma como um dos centros do jornalismo europeu. E é precisamente em Leipzig que se edita o primeiro jornal diário, experiência que só foi possível devido ao sistema conjunto de serviços postais e tipográficos. O Neueinlauffende Nachricht von Kriegs-und Welthandeln [Notícia corrente dos fatos da Guerra e do mundo] foi publicado quotidianamente durante mais de uma década pelo tipógrafo e livreiro Timotheus Ritsch. Ainda que essa experiência permanecesse como um fato isolado por algum tempo, estava aberto o caminho para uma presença cada vez mais forte do jornalismo.

A profissão de jornalista, de fato, amplia sua autonomia em relação aos ofícios de impressor e editor, disseminando algumas regras técnicas que constituirão a “cultura da notícia” do jornal moderno.[18] A imprensa começaria a tomar o lugar do púlpito, como lembra Eisenstein em seu belo estudo sobre “as revoluções do livro”. De agora em diante, a seleção e circulação de notícias seriam geridas por laicos, o que contribuiria para o processo de secularização (ou dessacralização) da cultura, essencial ao avanço do espírito científico. A partir do século XVIII, de fato,

o púlpito foi definitivamente suplantado pela imprensa periódica, e o dito “nada é sagrado” acabou por caracterizar a carreira do jornalista. Frente à “furiosa cobiça de novidade” e “sede generalizada de notícias”, os esforços dos moralistas católicos e dos evangélicos protestantes (...) se revelaram pouco úteis. O jornal mensal foi substituído pelo semanal e este, enfim, pelo quotidiano. Surgiam cada vez mais jornais de província (...). Os bisbilhoteiros freqüentadores de igreja já podiam saber dos assuntos locais percorrendo as colunas dos jornais, silenciosamente, na própria casa.[19]

5. Abolida a censura prévia, em 1695, também a Inglaterra passa a se distinguir no campo do jornalismo diário. Em Londres floresceriam as iniciativas mais duradouras, como a do Daily Courant, editado a partir de 1702, e a do The Evening Post, o primeiro vespertino inglês, lançado quatro anos depois. É então que a “cultura da notícia” dá o salto que, mudanças tecnológicas à parte, caracteriza o jornalismo ainda hoje. Já em seu primeiro número o Daily Courant anuncia as regras técnicas e as normas éticas que pautariam sua conduta. A cobertura do noticiário estrangeiro deveria citar as fontes, evitar “qualquer acréscimo de circunstâncias falsas a um evento”, relatando tudo “correta e imparcialmente”. “No início de cada artigo”, prossegue a apresentação, “o Autor citará o jornal estrangeiro em que se baseou, de modo que o Público (...) possa julgar com maior conhecimento a credibilidade e imparcialidade do relato.” Dispensando “comentários ou suposições subjetivos”, serão noticiados apenas “dados de fato.” E o jornal conclui: “este Courant (como mostra o título) será publicado diariamente: sendo pensado para dar todas as notícias tão logo cheguem com o correio: e se limita à metade do espaço, para poupar o público pelo menos metade das impertinências dos jornais comuns”.[20]

Credibility and fairness (credibilidade e imparcialidade) – eis, segundo Gozzini, “a primeira formulação de uma deontologia profissional do jornalista”[21], que depois se traduziria na clássica distinção entre fatos e opiniões. A carta de apresentação do Daily salienta a exigência de atualidade e enuncia sinteticamente algumas diretrizes que se tornariam fundamentais na profissão e hoje figuram em qualquer manual de redação: fidelidade aos fatos, preocupação com a verdade, rigor na apuração e seleção, além de exatidão e concisão. Delineia-se aqui a fórmula dos “cinco W”, isto é, o lead da notícia, que o jornalismo inglês consagraria: who (quem), what (o que), where (onde), when (quando), why (porquê). Não satisfeitas as condições do lead, ou o texto está mal elaborado ou não se trata de notícia.

Essas questões não escaparam a Peucer, que, no parágrafo XIII de sua tese, relaciona com “a vontade do escritor de periódicos” tanto “a credibilidade” quanto “o amor à verdade”. “Não seja o caso que”, afirma ele, “preso por um afã partidário, misture ali temerariamente alguma coisa de falso ou escreva coisas insuficientemente exploradas sobre temas de grande importância”. E, no parágrafo XXI, acrescenta que [no relato] “caberá ater-se àquelas circunstâncias já conhecidas que se costuma ter sempre em conta em uma ação, tais como a pessoa, o objeto, a causa, o modo, o local, e o tempo.”

Peucer está atento também à necessidade de concisão, clareza e atenção aos fatos. O estilo dos periódicos, sublinha o parágrafo XXII, não haverá de ser “nem oratório nem poético”, pois “aquele distancia o leitor desejoso de novidade”, e “este lhe causa confusão, além de não expor as coisas com clareza suficiente.” Os relatos jornalísticos devem seguir o fato tal “como sucedeu”, e para isso “o narrador se faz servir uma linguagem por um lado pura, mas por outro, clara a concisa”, evitando “as palavras obscuras e a confusão na ordem sintática.” No parágrafo XXIV, finalmente, Peucer conclui que “a finalidade dos novos periódicos é mais própria para o conhecimento de coisas novas acompanhadas de uma certa utilidade e atualidade”:

Com efeito, o afã de saber coisas novas é tão grande que cada vez que os cidadãos se encontram em encruzilhadas e nas vias públicas perguntam: “o que há de novo?” A fim de satisfazer esta curiosidade humana tem se imprimido de todo modo novos relatos jornalísticos em diversos idiomas. E os que os lêem podem satisfazer assim a sede de novidades dos companheiros e dos grupos de amigos.

6. Diante das exigências da cultura da notícia, então cada vez mais difusa, não surpreende que o primeiro quotidiano inglês tenha manifestado, já em seu número de extréia, a intenção de se destacar das publicações concorrentes, em geral menos criteriosas. Afinal, não eram incomuns, à época do Daily Courant e de Peucer, registros sensacionalistas de monstros e maravilhas, publicados lado a lado com relatos de cunho mais factual. Jeanneney cita como exemplo o jornal francês Mercure galant, que em 1680 manteve seus leitores em suspenso com a fantástica estória da “serpente de La Tour du Pin”, animal com “um maravilhoso rubi entre os dentes” (sic), que aparecera várias vezes entre os camponeses.[22]

Note-se que esse tipo de relato fantasioso pouco preocupava as elites, os religiosos e governantes. Curiosamente, o jornalista passou a ser mais criticado e malvisto quando, já consolidada a cultura da notícia, se torna mais objetivo, isto é, quando segue mais de perto os fatos, desprezando os “comentários ou suposições subjetivos”. Mas foi desse modo que a imprensa, particularmente a periódica, ajudou a expandir o conhecimento. Ela não só facilitou a interação entre diferentes tipos de conhecimento, mas estimulou o ceticismo, permitindo que “a mesma pessoa comparasse e contrastasse explicações alternativas e incompatíveis do mesmo fenômeno ou evento”.[23]

Embora mais conservador, em certos aspectos, que seus contemporâneos iluministas, Tobias Peucer soube captar as transformações vividas pela imprensa no século da revolução científica e dos periódicos. Como foi dito, De relationibus novellis teve o mérito de sistematizar conceitos e regras que, esparsos nas páginas de jornais e revistas, compunham o perfil de uma nova profissão - a de jornalista.

* Professor de Filosofia, Ética e Epistemologia do Departamento de Jornalismo da UFSC, Doutor em Filosofia pela Unicamp, é autor de O declínio do marxismo e a herança hegeliana, Florianópolis, Editora da UFSC, 1999, e A cruzada contra as ciências (no prelo). Nota: este artigo foi publicado originalmente na revista Estudos em jornalismo e mídia, de Florianópolis, vol. 1, n.2, 2004. Uma versão resumida saiu no Diário Catarinense, edição de 22/10/2005.

Notas

[1] Peucer, Tobias, De relationibus novellis, Leipzig, 1690 (Os relatos jornalísticos, tradução de Paulo da Rocha Dias, São Bernardo do Campo, Pós-Com-Umesp, 1999, publicada na Revista Comunicação e Sociedade, 33, pp. 199-214).
[2] A expressão é de Giovanni Gozzini em Storia del giornalismo, Milão, Bruno Mondadori, 2000.
[3] Cfr. Peter Burke, Uma história social do conhecimento (de Gutenberg a Diderot), Rio de Janeiro, Jorge Zahar Editor, 2003, p. 34.
[4] Em geral, considera-se como período da revolução científica o tempo transcorrido entre a publicação de Sobre as revoluções das órbitas celestes, de Nicolau Copérnico (1543), e dos Principia mathematica, de Newton (1687); a referência básica, no entanto, permanece sendo o século XVII.
[5] Giovanni Reale e Dario Antiseri, História da filosofia, São Paulo, Edições Paulinas, 1990, vol. II, p. 185.
[6] Ibidem, p. 187.
[7] Citado por Paolo Rossi, Os filósofos e as máquinas, São Paulo, Companhia das Letras, 1989, p. 86.
[8] Luciano Pellicani, Saggio sulla genesi del capitalismo, Milão, SugarCo, 1992, p. 276. Observe-se, entretanto, que a tolerância holandesa não impediu que também lá houvesse limites à liberdade de expressão. O Tratado teológico-político, do filósofo Baruch Espinosa (1632-1677), ele próprio um holandês (segregado pela comunidade judaica de Amsterdã aos 24 anos de idade), foi banido em 1674. Os teólogos consideravam o grande filósofo um ateu e blasfemo, nocivo aos valores da república.
[9] P. Burke, obra citada, p. 149.
[10] Ibidem, p. 147. Só no século XV, diz Burke, “mais livros foram impressos em Veneza do que em qualquer outra cidade da Europa (aproximadamente 4.500 títulos, o que chega a algo como 2 milhões de cópias)”.
[11] P. Burke, idem, p. 152.
[12] G. Gozzini, obra citada, p. 25; ver também Jean-Noël Jeanneney, Storia dei media, Roma, Riuniti, 1996, p. 31 (original francês: Une histoire des médias, Paris, Seuil, 1996).
[13] Cfr. J. N Jeanneney, obra citada, pp. 20-22.
[14] Ibidem, pp.40-1.
[15] Por outro lado, o Index foi um chamariz para os editores e livreiros laicos, gerando uma espécie de mercado negro para os livros proibidos que mais atraíam a curiosidade (ver P. Burke, obra citada, p. 130. O autor chama atenção também para a censura protestante, menos centralizada que a católica, mas não menos perniciosa).
[16] Ver P. Burke, obra citada, p. 148.
[17] Impressionado com a proliferação de gazetas e outros tipos de periódicos, Bayle, autor de um importante Dicionário histórico-crítico, já na época reivindicava uma história da imprensa (Cfr. J.M. Jeanneney, obra citada, p. 33.
[18] Cfr. G. Gozzini, obra citada, p.36-37.
[19] Elizabeth L. Eisenstein, Le rivoluzioni del libro. L’invenzione della stampa e la nascita dell’età moderna, Bolonha, Il Mulino, 1995, p. 106. A autora faz uma interessante análise das imbricações entre o Renascimento, a Reforma protestante e a revolução científica, profundamente influenciados pela invenção da imprensa (há tradução brasileira: A revolução da cultura impressa, São Paulo, Ática, 1998).
[20] G. Gozzini, obra citada, pp.42-43.
[21] Ibidem, p. 43.
[22] J. N. Jeanneney, Storia dei media, cit., p. 24.
[23] P. Burke, obra citada, p. 19.

Referências bibliográficas

BURKE, Peter. Uma história social do conhecimento (de Gutenberg a Diderot). Tradução de Plínio Dentzien. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2003.

EISENSTEIN, Elizabeth L. Le rivoluzione del libro. L’invenzione della stampa e la nascita dell’età moderna. Bolonia: Il Mulino, 1995.

GOZZINI, Giovanni. Storia del giornalismo. Milão: Bruno Mondadori, 200.

JEANNENEY, Jean-Noël. Storia dei media. Roma: Riuniti, 1996.

PELLICANI, Luciano. Saggio sulla genesi del capitalismo. Milão: SugarCo, 1992.

PEUCER, Tobias. Os relatos jornalísticos. Tradução de Paulo da Rocha Dias. Revista Comunicação & sociedade, n. 33.

REALE, Giovanni, e ANTISERI, Dario. História da filosofia (vol. II). São Paulo: Edições Paulinas, 1990.

ROSSI, Paolo. Os filósofos e as máquinas. São Paulo: Companhia das Letras, 1989