29.6.06

Transgênicos: mais pesquisa, menos temor.

Como toda atividade humana, o conhecimento científico-tecnológico pressupõe riscos e erros. Sabe-se que ações intencionais podem produzir resultados não intencionados. As ciências partem de hipóteses a serem testadas, não de certezas absolutas ou dogmas. Aliás, muito mais que produzir certezas, as ciências introduzem incertezas no quotidiano das pessoas, solapando as tradições e a idéia de absoluto. Assim, é pouco pertinente perguntar, em relação aos transgênicos ou organismos geneticamente modificados, se "há absoluta certeza na avaliação desses OGM" (é o que faz o fundamentalismo ambientalista). Mas é legítimo invocar o "princípio de precaução", calcular os riscos, considerar os possíveis benefícios e malefícios de qualquer empreendimento científico-tecnológico. Com o pressuposto, porém, de que, sem riscos, nem o conhecimento avança, nem o cidadão atravessa uma rua. Impedir a realização de uma ação "até que estejamos absolutamente certos" quanto a seus resultados significa proibir qualquer iniciativa. É suficiente e sensato que estejamos "razoavelmente certos".

A polêmica dos transgênicos, que acompanho a partir de um ponto de vista puramente filosófico e jornalístico, não me parece exigir princípios diferentes. Que é preciso ampliar as pesquisas e examinar os OGM caso a caso, como se faz com os medicamentos, não há dúvidas. O que não se pode é demonizá-los, como faz, por exemplo, o agrônomo José Hoffmann, o messiânico secretário da Agricultura do RS, que transformou em meramente ideológico este relevante tema científico. Aliás, não há evidências científicas de que tais organismos causem malefícios ao ambiente ou aos seres humanos - exceção para uma variedade de milho transgênico resistente a pesticidas, que provocou a morte de borboletas Monarca. Mas, mesmo nesse caso, não seria de se avaliar também se os pesticidas são mais letais que o próprio milho?

Até agora, a questão tem sido tratada com mais paixão que discernimento. O que se percebe é que as organizações que difundem apenas o temor, ressaltando os perigos em detrimento dos benefícios dos OGM, prendem-se geralmente a concepções anticientíficas, ideológicas e religiosas, ao invés de argumentos científicos. Não é algo novo na história das ciências. No fundo, essas tendências cultivam a sacralização da natureza, tida como lugar "inviolável", "intocável", reservado ao desenrolar das leis divinas (no caso dos religiosos) ou da evolução (no caso dos ecologistas): a natureza como pureza não adulterada, o que existia "na origem", a harmonia pré-humana. Não se estranhe, portanto, que os cientistas da genética sejam acusados de "brincar de Deus", nem que os alimentos transgênicos sejam depreciados como "comida Frankenstein".

A informação científica é fundamental para que o próprio consumidor faça seus juízos e tome sua decisão quanto aos OGM, um tema que não diz respeito apenas aos cientistas, ao Estado ou às multinacionais, nem, muito menos, aos teólogos ou aos intelectuais e ideólogos tardo-românticos que identificam a ciência e a tecnologia com as multinacionais e o capitalismo. Quanto mais informação o indivíduo dispuser, em relação às biotecnologias, menos refém se tornará de posições fundamentalistas que consideram os transgênicos um mal absoluto ou um bem absoluto. Pois eles não são nem uma coisa, nem outra: são apenas fruto da capacidade e inteligência humanas, e se tornarão cada vez mais indispensáveis à sobrevivência num planeta de recursos limitados e esgotáveis, cuja população, nos próximos 30 anos, atingirá 8 bilhões de habitantes. Parece claro que, se hoje ainda dispomos de alternativas para não usar os produtos transgênicos, no futuro próximo elas se tornarão cada vez mais raras. E não há razões para acreditar que a vida será pior ou melhor do que é, principalmente se mais transgênicos significar menos agrotóxicos.

Orlando Tambosi
(Publicado no Jornal Universitário (UFSC), 15/12/2000)

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