5.7.06

Astrologia na universidade?

O jornal Valor Econômico, de SP, publicou na edição de 13/04/06, no Caderno Eu&Fim de Semana, matéria sobre a polêmica gerada pela Universidade de Brasília e pela Unesp, duas instituições públicas que têm oferecido cursos de astrologia em nível de extensão. O tema já foi abordado - e devidamente criticado - aqui e no blog de Cláudio Weber Abramo (A coisa aqui tá preta), por entendermos que universidade não é lugar para pseudociências - e a astrologia é uma delas.Ora, além de manter o dogma de que a Terra é o centro do Sistema Solar, essa falsa ciência pressupõe que forças e energias vindas dos planetas administram a vida após o nascimento (e por que não antes?). Leia na íntegra a reportagem, que reproduz argumentos científicos e epistemológicos contra a astrologia (inclusive algumas observações deste escrevinhador).

Sob o signo da polêmica

Universidade de Brasília e Unesp oferecem cursos de astrologia, para espanto da comunidade acadêmica.

Por Paulo Henrique de Sousa
De São Paulo

Alguém duvida de que a campanha presidencial vai ser acirrada, mesmo com o favoritismo de Lula? E de que o Brasil precisa coordenar de forma racional os recursos de que dispõe para superar as dificuldades? Seria preciso recorrer aos astros para chegar a essas conclusões? A resposta a essa última pergunta tende a ser negativa, já que poucos analistas discordariam das duas primeiras, da lavra de uma astróloga - baseadas na suposta influência dos astros em nossas vidas. Segundo os críticos, essa é uma típica "previsão" da astrologia: puro "non-sense", tolice.

Mas, mesmo com as restrições da grande maioria da comunidade acadêmica, que a considera uma "pseudociência", a astrologia tem conseguido furar o bloqueio. Algumas instituições de renome, como a Universidade de Brasília (UnB) e a Universidade Estadual de São Paulo (Unesp), têm oferecido cursos de astrologia, em nível de extensão. O professor Ricardo Lindemann, do Núcleo de Estudos de Fenômenos Paranormais (NEFP), da UnB, reclama que há muito "preconceito" porque as pessoas não sabem o que é a astrologia. Ao aplicar algumas "regras da astrologia", os pesquisadores do NEFP teriam conseguido identificar, com 100% de acerto, um grupo de alunos que fariam vestibular em poucos dias de um outro grupo que não faria as provas, com base em seus mapas astrais, que teriam acusado um momento de "definição profissional".

Adepto do anarquismo metodológico de Paul Feyerabend, o professor Paulo Araújo Duarte, do departamento de geociências da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), considera a astrologia um "campo do conhecimento humano" como qualquer outro. Para ele, o conhecimento popular pode ser uma "alavanca para o conhecimento científico e jamais deve ser desconsiderado. O que eu não gosto é da arrogância e do preconceito de cientistas com relação ao que não é rotulado como ciência".

Mas a reação não tardou. Em sua página pessoal na internet, o diretor executivo da ONG Transparência Brasil, Cláudio Weber Abramo, pediu o fechamento da UnB. Formado e pós-graduado em matemática, ele não faz rodeios: "Isso é picaretagem".

O filósofo Orlando Tambosi, da UFSC, concorda. "Ensinar pseudociências numa universidade contraria os mais caros princípios de uma instituição universitária. Desde sua origem, as universidades se dedicam à geração e difusão de conhecimento nas ciências, na filosofia, nas engenharias e nas artes", afirma. "É tão absurdo quanto ensinar o criacionismo nas escolas", dispara o astrônomo da Universidade de São Paulo, Augusto Damineli. Segundo ele, a astrologia está mais para religião do que para ciência. "Astrologia não é ciência, nem arte, nem outra atividade com corpo de conhecimento objetivo estabelecido."

As restrições dos cientistas são muitas, a começar pela configuração celeste que os astrólogos usam. Durante o ano, o Sol percorre um determinado caminho no céu, chamado de eclíptica, tendo as constelações como pano de fundo - elas formam o zodíaco. Uma pessoa será de Sagitário, por exemplo, se o Sol estava percorrendo aquela constelação quando do seu nascimento.

Ocorre que os astrônomos descobriram que o Sol passa não por 12, mas por 13 constelações em um ano - das 88 existentes. Na Antigüidade já se conhecia Ofiúco, mas ela ficava longe da eclíptica. No período de quase 3.000 anos, o movimento de precessão do eixo de rotação da Terra (tipo um peão cambaleando), acabou fazendo com que o Sol passasse rapidamente por Ofiúco. Essa constelação fica entre Escorpião e Sagitário - de 30 de novembro a 17 de dezembro. "Sim, é isso mesmo, muitos de nós somos do signo de Ofiúco e, felizmente, isso não tem a menor importância", provoca o físico Paulo Bedaque. Paulo Duarte lembra que a divisão do zodíaco em 12 signos é puramente arbitrária e segue apenas a tradição dos povos antigos.

Outro questionamento-chave dos astrônomos é que a influência da força gravitacional dos corpos celestes sobre nós é desprezível - com exceção dos efeitos óbvios da luz do Sol como fonte de energia. Nessa seara, uma das crenças mais comuns é o da suposta influência da mudança da Lua nos nascimentos de bebês. O raciocínio parece ser o seguinte: se a Lua é capaz de interferir nos movimentos dos oceanos, então seria natural que o mesmo acontecesse com corpos menores.

O astrônomo Fernando Lang da Silveira, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), considera esse um argumento aparentemente "persuasivo", mas totalmente falso. A Lua e o Sol realmente influenciam as marés porque o tamanho da Terra não é desprezível em relação às distâncias até a Lua e até o Sol: as marés ocorrem porque os oceanos são grandes o suficiente para sofrerem a ação da gravidade de forma diferente em diferentes pontos. Ou seja, o tamanho e a distância importam - e muito. Por isso, não há efeito de maré num pequeno lago ou mesmo no útero de uma gestante - já que todos os pontos desses ambientes estão praticamente à mesma distância do Sol e da Lua. "O obstetra que realiza o parto de uma criança exerce uma atração gravitacional sobre ela seis vezes maior do que o planeta Marte", exemplifica o astrônomo Kepler Oliveira Filho, da UFRGS. O filósofo Osvaldo Frota Pessoa Jr., da USP, resume que a astrologia não é ciência porque "contradiz as teses principais da ciência atual".

A polêmica suscita a inevitável e espinhosa discussão do que vem a ser ciência. Depois das batalhas entre as muitas correntes epistemológicas do século XX, a maioria dos especialistas neste começo de século concorda que não há uma definição acabada. Damineli explica, entretanto, que as várias ciências têm, cada uma delas, "um determinado corpo de fenômenos [naturais, sociais ou individuais], que podemos chamar de base empírica, têm um corpo de princípios, que podemos chamar de pressupostos teóricos que delimitam as condições de aplicabilidade e metodologia para ligar a base empírica ao campo teórico, para prever situações ainda não exploradas e para testar se são verdadeiras ou falsas". Pessoa Jr. complementa que a ciência envolve teses que precisam ser testadas empiricamente, cujos resultados são submetidos à apreciação de outros cientistas. "É este consenso que falta em relação à astrologia." Tal controle pelos pares funcionou recentemente no caso do sul-coreano Woo-suk Hwang, que teria feito a primeira clonagem de células-tronco embrionárias humanas, que não passou de uma fraude.

Engenheiro por formação, Lindemann e o ex-coordenador do NEFP, Paulo dos Reis Gomes, defendem o status de ciência para a astrologia. Segundo Lindemann, os estudos do NEFP seguem a metodologia científica da observação, hipóteses, experimentação e tese (generalização). E que os resultados, medidos de forma estatística, revelam que as posições dos astros interferem na vida das pessoas. Mas ele admite que essa interferência pode não ser creditada à gravidade, mas a uma outra força ainda "desconhecida pela ciência. Se não estudarmos, não descobriremos", justifica.

Considerando equivocada a decisão da UnB, o físico Jean Bricmont, da Universidade de Louvain, na Bélgica, propõe um desafio aos astrólogos: "Peça aos defensores da astrologia para fazerem uma porção razoável de previsões, num experimento controlado, cujo resultado seja melhor do que o acaso. Cientistas fazem isso o tempo todo. Se eles não passarem no teste, por que nós deveremos acreditar neles? E se não podemos acreditar neles, por que deveríamos ensinar o que dizem?" Bricmont ficou mundialmente conhecido ao escrever, com Alan Sokal, o livro "Imposturas Intelectuais", que solapou o discurso pós-moderno de alguns filósofos que abusavam de metáforas científicas sem cabimento.

O lógico Newton da Costa, ex-professor da USP e hoje na UFSC, até admite o estudo de astrologia em universidades, desde que tratada como "fenômeno social". Mas ele nega o status de ciência, já que os astrólogos alegam que o que fazem é verdade absoluta; já a ciência, ao contrário do senso comum, trata com outros conceitos de verdade, sempre submetida à checagem. "Enquanto a ciência pode ser reproduzida, cinco astrólogos podem fazer previsões diferentes sobre o mesmo tema."

Tambosi chama a atenção para um ponto negligenciado: o relativismo que grassa nas ciências humanas e sociais, na maioria das universidades brasileiras, acaba por abrir as portas para o esoterismo. "Se tudo é relativo, se tudo é reduzido a discurso ou texto, desaparece a questão da verdade. Todos os 'textos' estão em pé de igualdade. Assim, uma teoria científica tem o mesmo valor de um discurso do papa ou de uma carta astrológica." Tudo isso poderia parecer restrito às arengas acadêmicas e crenças pessoais, mas não é assim. Algumas empresas recorrem a meios como astrologia, grafologia e numerologia, na seleção e gestão de pessoal. O professor Thomas Wood Jr., da Fundação Getúlio Vargas (FGV), diz que as empresas procuram "placebos" para solucionar problemas reais ou imaginários, "soluções que trazem conforto emocional. A gestão é tão amadora que qualquer mapa serve, até um mapa astral".

(NOTA: Paulo Henrique de Sousa foi aluno - excelente - do Curso de Jornalismo da UFSC e hoje é repórter - também excelente - do jornal Valor Econômico).

2 comentários:

Anônimo disse...

Centenas de testes foram realizados com resultados negativos para a astrologia. Um estudo publicado em 2003 por Geoffrey Dean (um ex-astrólogo) e Ivan Kelly (psicólogo) comparou mais de duas mil pessoas nascidas em Londres, em 1958, no mesmo dia e na mesma hora, com, em média, 4,8 minutos de diferença. De acordo com a astrologia, essas pessoas deveriam ter características bastante semelhantes. Eles analisaram 110 tipos de características (nível de ansiedade, estado civil, agressividade, sociabilidade, habilidades em artes, esportes e matemática, altura, peso, ocupação, estado civil etc). Os pesquisadores não encontraram nenhuma prova de semelhança entre as pessoas que nasceram no mesmo horário. O estudo é parte do artigo que pode ser acesado em http://www.imprint.co.uk/pdf/Dean.pdf
Um resumo da opinião desses dois autores sobre a astrologia:
The case against astrology is that it is untrue. It does not deliver benefits beyond those produced by non-astrological factors, it has not contributed to human knowledge, it has no acceptable mechanism, its principles are invalid, and it has failed hundreds of tests. But no hint of these problems will be found in astrology books, which in effect are exercises in deception. But it doesn’t end there.
Astrologers disagree on almost everything, even on basics such as which zodiac to use. They rarely test control data, which is why scientists see astrologers as crazy or even crooks. In fact astrologers are mostly nice people who genuinely wish to help others. But the claim they repeatedly make (astrology is true because based on experience) is simply mistaken - what they see as its strength (experience) is actually its weakness (no controls).
(Extraído de http://www.butterfliesandwheels.com/articleprint.php?num=32)
O melhor site com críticas detalhadas à astrologia:
http://www.astrology-and-science.com/

Anônimo disse...

Olá, caros, boa tarde!
Sou acadêmico do curso de graduação em Naturologia aplicada, na UNISUL, em Florianópolis-SC. Acho a discussão bastante interessante e capaz de produzir inúmeros benefícios em prol do conhecimento.
É interessante notar que, ao longo da história, a passagem do conhecimento mitológico para o conhecimento racional se deu de uma forma bastante óbvia e trouxe inúmeros benefícios para a edificação do conhecimento objetivo. As especializações contribuíram em muito para o aprimoramento técnico das nações, bem como para a geração de mais valia nas relações de trabalho. Porém, hoje em dia, a ciência com sua refinada especialização nos deixa sérias questões a refletir, já abordadas por inúmeros ilustres que passaram antes de nós.
Sigmund Freud fundou a psicanálise sem qualquer predisposição científica, ou pelo menos, não aceitando os limites usuais do positivismo científico. Tanto é assim que até hoje a psicanálise não é totalmente incorporada a um curso de graduação.
Poderia citar também Nietzsche, com sua ampla crítica ao positivismo científico e á tentativa de reduzir a vida a criações de padrões de referência.
O próprio Einstein, talvez um dos maiores gênios da ciência, admitia ser a sua fantástica teoria apenas uma aproximação da natureza, não cabendo a ela a pretensão de se dizer verdadeira.
Mais recentemente Erich Fromm, psicanalista, abordou os mesmos problemas com semelhantes opiniões.
Poderia ainda citar C. G. Jung, com seus brilhantes esforços no sentido de ampliar as fronteiras do conhecimento tradicional.
A ciência, se busca a maneira mais eficaz de abordar um problema, não pode ser dogmática ao ponto de afirmar que uma coisa é científica enquanto a outra não, pois senão, admite uma postura semelhante à religiosa e, com certeza não é isso que a ciência quer...
A astrologia oferece coincidências extremamente desconcertantes se elaboradas por um profissional capaz, a ponto de Johannes Kepler, famoso astrônomo que descobriu a trajetória elíptica dos planetas a afirmar que, embora contrariado, foi obrigado a aceitar a astrologia como um método eficaz.
Penso que querer se afirmar como científica seria um erro para a Astrologia, pois com isso ela perderia o que tem de mais essencial. Nesse ponto eu concordo com a matéria de vocês, de que a Astrologia deveria estar fora da Academia, mas por isso mesmo, sua força nunca vai deixar de tocar as pessoas, pois ela representa um sentimento que Jung reconheceu como básico em todo ser humano: o desejo de ser inteiro e de se relacionar com forças que estão além de nossa compreensão. E penso que a ciência dificilmente preencherá essa eterna questão existencial, não importa o quanto ela se especializar.
Bruno Carrato Werneck Evangelista
bwevangelista@yahoo.com.br